Título: PROBLEMAS PARA SEVERINO
Autor: José Casado e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 21/08/2005, O País, p. 3

Presidente da Câmara também enfrenta uma denúncia

BRASÍLIA. Ele já fala em público sobre a eventualidade de um impedimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice José Alencar (¿Se acontecer, tenho que fazer cumprir o que reza a Constituição: assumiremos e faremos a convocação das eleições no Parlamento para que seja eleito um novo presidente¿). Talvez nem tenha tempo: o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, vai ser alvo de um pedido de cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar. Esse, não motivado pelo escândalo do mensalão.

¿ Ele usou o cargo e a estrutura da Presidência da Câmara para fazer lobby em favor de uma empresa privada, uma usina de álcool processada quatro vezes por trabalho escravo, se colocando contra as leis nacionais e internacionais sobre o assunto subscritas pelo Brasil ¿- disse o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) ao anunciar, sexta-feira, a decisão de pedir ao Conselho de Ética da Câmara o julgamento político de Severino Cavalcanti (PP-PE), 74 anos.

Severino teria feito lobby por destilaria

Em maio, a Destilaria Gameleira, que o grupo pernambucano Queiroz Monteiro tem em Confresa (MT), se viu sem clientes. Quatro vezes multada por manter trabalhadores em situação análoga à escravidão, teve suas entregas de álcool recusadas por empresas como a BR Distribuidora e a Ipiranga. Elas seguiam orientação do Sindicato Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, que acabara de aderir a uma iniciativa governamental contra o trabalho escravo. O presidente da Câmara interveio. Telefonou a diretores da estatal BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras.

Severino admite:

¿ Fui procurado por esse grupo, pelo irmão do Armando Monteiro (deputado federal, PTB-PE), o Eduardo Monteiro, pedindo que eu conseguisse esclarecimentos sobre a intenção, não sei de que órgão... Não estavam comprando o produto da usina dele. É um órgão da Petrobras que recebe o produto. Em função da denúncia de que a fazenda Gameleira tinha trabalho escravo, não iria comprar. Mas tinha uma decisão judicial que mandava a Petrobras (comprar) ¿ conta o presidente da Câmara. ¿ Eu perguntei o porquê do não cumprimento da decisão. Ele respondeu que estava esperando uma comunicação do Ministério do Trabalho. Se é uma decisão judicial, tem de ser cumprida, não pode esperar por Ministério do Trabalho, que não tem poderes para cassar uma decisão judicial. Essa foi a minha interferência no caso.

Usineiro envia nota ao GLOBO

Em nota ao GLOBO, o usineiro Queiroz Monteiro nega a prática de trabalho escravo, acha que tudo não passa de ¿alarde político¿, anuncia que vai ¿processar a União e todos os detratores¿ e confirma a interferência do presidente da Câmara em defesa dos interesses da empresa:

¿ O deputado Severino Cavalcanti, bem como outros parlamentares de Pernambuco, de diversos partidos de situação e de oposição, que nos conhecem de muitos anos, nos defenderam e tentaram demover as distribuidoras da nossa ¿condenação¿, com o argumento de que estavam praticando a desobediência civil ao não acatar uma decisão judicial. Tentaram mostrar que a decisão da Justiça tem mais força que a do ministério. Por enquanto, em vão.

O presidente da Câmara conta que usa mesmo o poder que possui, até para abrir portas no governo aos deputados governistas:

¿ Vem qualquer deputado falar com qualquer ministro, eu ligo e passo na hora. Nem os do PT conseguem e eu consigo.

COLABOROU Letícia Lins