Título: FORO PRIVILEGIADO A SERVIÇO DA IMPUNIDADE
Autor: Elenilce Bottari
Fonte: O Globo, 21/08/2005, O País, p. 12

Garantia de benefício até a ex-autoridades provoca acúmulo de processos e é criticada por magistrados e promotores

Mais importante corte do país, o Supremo Tribunal Federal corre o risco de entrar em colapso. Com cerca de 110 mil processos, todos eles anteriores à atual crise política, seus 11 ministros respondem hoje pela investigação de 102 parlamentares, sendo 82 deputados federais e 20 senadores. Destes políticos, 44 são acusados de crime de corrupção. E a situação pode se agravar ainda mais.

Por causa da Lei 10.628 ¿ sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e que estendeu o foro privilegiado para o julgamento de crimes de improbidade administrativa inclusive no caso de ex-autoridades ¿ o STF deverá ser o palco de todas as investigações que estão sendo realizadas no país envolvendo parlamentares, ministros e ex-ministros.

Uma situação que, segundo juízes, procuradores e promotores, poderá deixar impunes muitos dos casos que hoje estão sendo denunciados no Congresso e nas investigações do Ministério Público Federal.

Entidades lutam para derrubar a lei no STF

Duas entidades, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), entraram com ações diretas de inconstitucionalidade no STF para tentar derrubar a lei, mas ainda não há prazo para julgamento. Para o presidente da AMB, Rodrigo Colaço, além de inconstitucional a extensão do foro privilegiado acaba aumentando os casos de corrupção:

¿ Num país que revela grau de corrupção como este, o foro privilegiado acaba sendo uma regra incompatível com a necessidade política. Com certeza o foro privilegiado deve ter contribuído para que essas pessoas tenham se sentido à vontade para praticar esses atos a que estamos assistindo hoje ¿ afirmou Colaço.

Segundo ele, além da sobrecarga de trabalho, o STF não foi estruturado para conduzir investigações desse porte:

¿ É um tribunal que não tem estrutura para colher provas. Terá com certeza dificuldades estruturais para cumprir este papel ¿ afirmou.

Colaço denunciou ainda uma manobra na Câmara dos Deputados para a implementação de foro privilegiado para ação popular:

¿ É um absurdo ainda maior. A ação popular é um instituto à disposição de cada indivíduo. Como um cidadão do interior irá a Brasília para dar entrada em uma ação popular no Supremo?

Já o vice-presidente da Conamp, José Carlos Cosenzo, diz que, além de garantir a impunidade, a lei ordinária do foro privilegiado está engessando o trabalho do Ministério Público:

¿ A lei não apenas estimula, mas induzi a erro. O político já assume o poder sabendo que, quando finalmente as investigações de seu caso estiverem concluídas, sua punibilidade estará extinta. Isso é o engessamento do trabalho do Ministério Público.

Segundo pesquisa do site Congresso em Foco, dos 102 parlamentares investigados até abril de 2005, a metade responde por crimes contra a administração pública, contra a ordem tributária e contra a legislação eleitoral, mas há também suspeitos de seqüestro, de responsabilidade em crime de homicídio e de violação ao sistema financeiro nacional.

Procurador pede fim do foro privilegiado

O procurador da República Fábio Aragão quer o fim do foro privilegiado e propõe que o julgamento de crimes praticados por políticos contra a administração pública passe a ser feito por tribunais do Júri:

¿ Se o povo é capaz de julgar um crime importante como o homicídio e, por sinal, na maioria das vezes acerta, com certeza terá sensibilidade para julgar os crimes de corrupção.