Título: `O crime de quem está no poder é maior¿
Autor: Adauri Antunes Barbosa
Fonte: O Globo, 23/08/2005, O País, p. 8

Favorável à delação premiada, jurista sugere que quem mente para conseguir benefício tenha pena aumentada

O jurista Ives Gandra da Silva Martins se diz favorável à delação premiada ¿ um benefício dado ao acusado que, ao colaborar com a polícia e/ou com a Justiça, ajuda a desvendar um crime, a punir os outros culpados ou a recuperar o produto do delito. Mas Gandra é contrário ao perdão absoluto, como o que é dado em alguns estados americanos. O jurista também ressalva que, se o acusado fizer denúncias falsas, sua pena deve ser agravada. Quando se trata de colarinho branco, ele acredita que o crime praticado por quem está no exercício do poder ¿ e representa o povo ¿ é sempre maior do que o praticado por quem está fora dele.

O senhor é favorável à delação premiada nesses casos atuais de corrupção?IVES GANDRA DA SILVA MARTINS: Sou. Em primeiro lugar, por uma razão muito simples. O cidadão que está na sociedade, sonegou tributos etc., não participa do governo. É um crime não tão grave quanto aquele cometido por quem está no exercício do poder, usar o poder em que ele está representando o povo, para se beneficiar. O crime de quem está exercendo o poder é sempre muito maior do que aquele praticado, em termos do crime do colarinho branco, fora do poder.Por que a diferença?IVES GANDRA: Porque esse cidadão não tem a mesma responsabilidade do que os outros. É crime também, mas para esses (que não estão no poder) é possível a delação premiada.A delação premiada pode ser oferecida a quem está no poder e também para quem não está?IVES GANDRA: A delação premiada é indicada para os dois casos. Ela objetiva exclusivamente facilitar as investigações. Agora, se na delação premiada o cidadão fizer denúncias em que ele não tenha como comprovar e vier a demonstrar que foi apenas uma tentativa de ele ficar simpático, mas aquilo não corresponde à verdade, ele tem de ter a pena agravada porque mentiu.Em vez de benefício, pena maior? IVES GANDRA: Sim, aí é uma falsidade ideológica monumental. Em vez de ter uma delação premiada, ele vai ter uma delação exacerbada.Uma punição extra?IVES GANDRA: É, ele vai ter agravante, não atenuante. Mas se for verdade, isso é positivo.Qual é a pena máxima e a pena mínima que pode ser requerida?IVES GANDRA:. Isso varia conforme o crime. Nos crimes contra a ordem tributária, por exemplo, a Lei 8.137, artigos 1º e 2º, estabelece os diversos crimes.Depende do processo?IVES GANDRA: Depende do processo. E vai depender também da proposta que o Ministério Público fará. Não apenas o juiz tem liberdade de punir com o mínimo ou com o máximo cada crime, porque cada crime tem uma pena máxima e uma mínima.Como poderia ser aplicada a delação premiada, por exemplo, no caso de Rogério Buratti? IVES GANDRA: Ele tem um acúmulo de crimes. Nos próprios crimes pode ter as atenuantes previstas na legislação. Porque ele confessou, não é? Pelo fato de ter confessado, já não pode ser mais considerado suspeito. Ele já se considerou criminoso. A partir daí vai se ver o benefício que ele deu às investigações e o que vai poder ser retirado.Caso ele não tenha contribuído, pode ser punido?IVES GANDRA: Pode. Aí é pior.Em outros casos concretos envolvendo denúncias de corrupção que estão sendo investigadas, como a delação premiada poderia ser usada?IVES GANDRA: Vai depender do que eles (advogados) vão pedir de atenuação. Normalmente é um terço da pena. Mas não quer dizer que vai ser tudo isso, necessariamente.Qual a sua posição sobre a delação premiada?IVES GANDRA: Sou favorável a que se facilitem as investigações. As investigações demoradas podem fazer com que, às vezes, os crimes tenham prescrição antes de se ter decisão. No Brasil, em muitos crimes não há condenação porque há prescrição. Como o Ministério Público não tem tantos elementos para fazer as investigações, se justifica, muitas vezes, para abreviar as investigações, a colaboração. Isto se chama delação premiada. Mas não gosto do termo delação premiada.Qual termo seria mais adequado?IVES GANDRA: Colaboração, mesmo. É delação premiada porque representa um certo arrependimento do criminoso. Não aquele criminoso que quer entrar, depois quer sair, quer continuar sendo narcotraficante. Realmente as penas têm que ser agravadas porque ele não vai mudar o seu perfil criminal. Agora, o cidadão que não é um criminoso, praticou o crime e que resolva colaborar, a própria delação já representa se ele vai ter o benefício. É claro que há também uma espécie de arrependimento que justificaria essa redução.Qual a diferença entre a legislação dos EUA da deleção premiada, que o senhor é contra, e a do Brasil?IVES GANDRA: Nos Estados Unidos, a delação premiada pode implicar inclusive absolvição do cidadão. Aqui, não. Aqui apenas se atenua a pena. No Código de Direito Penal se pode agravar a pena ou atenuar a pena, conforme as circunstâncias que levam ao crime. Então, quando o julgador deverá julgar ele leva em consideração as agravantes e as atenuantes.