Título: Um dia sem sustos
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 23/08/2005, O Globo, p. 2

Há tempos o governo não tinha um dia como o de ontem. Sem sobressaltos, sem ouvir o estampido de novas denúncias, pôde saborear um fato positivo, até onde se pode qualificar assim a refutação bem-sucedida de uma denúncia de corrupção pelo ministro da Fazenda. Foi um refresco, mas é cedo ainda para prever o arrefecimento da crise ou mesmo que Palocci tenha saído do alvo.

Com sua entrevista de domingo o ministro Antonio Palocci não apenas se defendeu de forma superior ao padrão petista predominante até agora, marcado pelo refúgio no silêncio, nas notas, nas evasivas ou na teoria conspiratória. Não apenas tranqüilizou os mercados, assegurando sua permanência no cargo e a continuidade da política econômica, obtendo das elites econômicas a renovação do contrato que faz dele o gestor confiável da economia. Ao ser jogado no círculo dos suspeitos, Palocci fez muito mais pelo governo com sua defesa.

1. Para começar, conferiu um momento de altivez a um governo que andava com a auto-estima na soleira da porta. Estavam todos exultantes, tanto ontem como no domingo, na reunião do presidente Lula com seu novo núcleo coordenador. Mas, ironicamente, a superioridade da defesa realça a tibieza dos outros, inclusive a do próprio presidente em sua fala do dia 12.

2. Graças à conduta amplamente criticada do procurador Sebastião Sergio da Silveira, Palocci propiciou ainda ao governo um argumento novo, contra o denuncismo, entendendo-se por isso o açodamento na divulgação de denúncias e acusações.

3. Palocci foi o principal protagonista de sua própria defesa, mas nela o governo pôde também testar a coesão e o funcionamento do novo núcleo coordenador agora mais próximo do presidente Lula. Vem sendo chamado de gabinete de crise, mas, se ela passar, será o novo núcleo duro (palavra hoje esconjurada no Planalto). Dele participam o próprio Palocci, Dilma Rousseff, Jaques Wagner, Thomaz Bastos, Luiz Dulci e Ciro Gomes. Outros podem ser chamados, dependendo do assunto.

4. Serviu ainda o tiro em Palocci para fazer soar um certo tipo de alarme delimitador da crise. Algo que pode ser resumido assim: o limite é a economia. A oposição contribuiu efetivamente, com declarações favoráveis ao ministro, para esta delimitação, mas ontem parecia um tanto arrependida. Sinal disso, o bate-boca entre os senadores Arthur Virgílio e Suplicy por conta de uma comparação feita por Palocci (na entrevista) entre o número de empregos mensais gerados no governo anterior e no atual.

Mesmo assim, soprou uma brisa, embora o próprio governo saiba que não tem nada a comemorar, a não ser o fato de que o pior foi evitado. Ou pelo menos adiado. Porque Palocci também continuará no alvo e correndo riscos. Ontem mesmo foi alvejado pela denúncia do prefeito Cesar Maia, de que não teria mencionado um outro contrato da prefeitura que ocupava com a empresa Leão & Leão. A oposição só examinará sua eventual convocação após o novo depoimento de Buratti à Comissão dos Bingos, que deve acontecer amanhã. Será pressionado a repetir e ampliar as denúncias que fez aos procuradores. Haverá ainda o depoimento do advogado da GTech à CPI dos Correios e o do ex-diretor da Leão & Leão Marcelo Franzine aos procuradores. Com tanto trovão, ainda podem cair raios.