Título: A DENÚNCIA PÕE POLÍCIA LONDRINA EM XEQUE
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 23/08/2005, O Mundo, p. 27

Jornal diz que câmeras de metrô gravaram ação contra Jean Charles. Missão brasileira chega à capital britânica

LONDRES. No que parece ser mais uma contradição na versão da Scotland Yard para as circunstâncias da morte de Jean Charles de Menezes, o vespertino ¿Evening Standard¿ disse ontem ¿ citando fontes do metrô de Londres ¿ que pelo menos três câmeras de segurança numa das plataformas da estação de Stockwell estavam funcionando em 22 de julho, quando policiais londrinos mataram o brasileiro a tiros. A corporação alegara semana passada que não há imagens da operação.

A reportagem do ¿Standard¿ desmente informações de que os discos rígidos das câmeras de Stockwell estariam em branco. Segundo fontes do jornal, o livro de ocorrências da estação nada registrou de anormal no dia 22. Até agora, as únicas imagens da ação em Stockwell são fotos do corpo de Jean feitas por peritos da polícia.

Provas sobre como Jean se comportou no metrô

Com as informações sobre divergências entre a polícia e o metrô, aumentaram os rumores de que a Scotland Yard estaria tentando pôr panos quentes no caso. Embora as câmeras não cobrissem o interior do trem em que Jean foi morto, elas poderiam fornecer provas sobre o comportamento do brasileiro no episódio. A versão da polícia de que ele fugiu de agentes à paisana foi desmentida em documentos sobre a investigação independente.

O metrô se recusa a comentar o caso, mas as informações do ¿Standard¿ devem aumentar a pressão sobre o comissário da Scotland Yard, Ian Blair, cuja renúncia foi pedida por boa parte da mídia britânica e pela família de Jean. Ontem, um primo do brasileiro, Alessandro Pereira, levou a Downing Street, residência oficial do primeiro-ministro Tony Blair (que está de férias no Caribe), uma carta ao premier em que pede um inquérito público sobre o caso.

¿ Todos os dias descobrimos mais e mais mentiras sobre a morte de meu primo. Nossa família exige um inquérito público para que não apenas as circunstâncias da operação, mas também a diretriz da polícia de atirar para matar, sejam investigadas a fundo ¿ disse Alessandro diante dos portões de Downing Street, onde também houve uma vigília para marcar o primeiro mês da morte de Jean.

O primo de Jean criticou a oferta de indenização equivalente a US$27 mil feita pela polícia aos pais da vítima durante uma visita de representantes da Scotland Yard e do governo britânico a Gonzaga, cidade mineira onde mora sua família. Embora um documento entregue à família deixe claro que a oferta não excluiria indenizações posteriores, a atitude da polícia irritou parentes de Jean e foi criticada até pelo vice-premier John Prescott.

¿ Nossa família é humilde, não burra. A oferta foi ridícula. Era como se estivessem tentando comprar animais ¿ queixou-se Alessandro.

Também ontem, uma missão do governo brasileiro chegou a Londres e se reuniu com autoridades da polícia, entre elas Ian Blair e seu vice, John Yates, que esteve com a família de Jean no Brasil. Os brasileiros receberam um novo pedido de desculpas da corporação. O subprocurador-geral da República, Wagner Gonçalves, disse que a viagem tem como objetivo acompanhar as investigações, sobretudo o trabalho da comissão independente, com a qual a missão brasileira terá um encontro hoje.

O caso de Jean começou a incomodar parentes das mais de 50 vítimas dos atentados de 7 de julho em Londres. Ontem, Diana Gorodi, que perdeu uma irmã num dos ataques, considerou exagerada a atenção dada à morte do brasileiro.

¿ O que houve em Stockwell foi lamentável, mas esse bombardeio histérico de críticas à polícia está fazendo com que ninguém fale mais das vítimas dos atentados. Crucificar Sir Ian a nada vai levar e a política de atirar para matar está fazendo a população se sentir mais segura ¿ disse Gorodi à BBC.

Em Gonzaga, parentes e amigos de Jean foram ontem a uma missa que marcou um mês de sua morte. Os pais do eletricista devem ir a Londres na próxima semana.

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