Título: CONTÁGIO VIA DÓLAR
Autor: Narisa Louven
Fonte: O Globo, 22/08/2005, Economia, p. 12

Valorização da moeda americana seria a ameaça para a blindagem da economia

Anão ser que a moeda americana continue apresentando forte valorização em relação ao real, a economia brasileira tem tudo para continuar caminhando em paralelo à crise e surpreender em termos de crescimento. É esta a avaliação de muitos economistas, em que pese a alta expressiva do dólar, que, na última sexta-feira, pulou de R$2,38 para R$2,45, como resultado direto do envolvimento do nome do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, nas denúncias de corrupção.

O dólar é uma variável importante na composição da inflação, mas a sua movimentação no curto prazo deve ser vista com cautela, afirma o economista Tomás Málaga, do Itaú.

¿ Se a cotação chegar a R$2,70, aí sim o governo vai ter que esquecer a perspectiva de queda dos juros e pensar em fazer mudanças na política monetária ¿ comenta Málaga, esclarecendo, no entanto, que não acredita na disparada da moeda americana.

A contaminação da economia pela crise política, continuam os especialistas, pode se dar pelo descontrole do câmbio ou pela ausência de condições para votar medidas econômicas importantes no Congresso.

¿ A variável política não entra nas decisões do Banco Central; o câmbio é o que determina as alterações na política monetária ¿ acredita a economista Elisa Pessoa, da Opus Investimentos.

Para economista, alta não deverá se manter

Só que apesar da alta na cotação da moeda americana na última sexta-feira, não há indicação de que o movimento persista. O Brasil ainda está se beneficiando com o choque positivo das commodities (produtos de baixo valor agregado comercializados no mercado internacional), que criou um clima muito positivo para enfrentar situações de adversidade, comenta o economista Aloísio Araújo, do Instituto de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). Também contribuiu o bom desempenho da economia internacional ¿ os Estados Unidos fizeram ajuste fiscal e aumento dos juros mais brando do que o esperado.

A fortaleza do real vem sendo garantida pelo saldo positivo da balança comercial e pelos investimentos diretos no país, que elevaram o superávit em conta corrente para US$2,5 bilhões em julho. Um resultado como este só foi registrado em 1947 e significa que, depois de o país pagar juros, lucros e dividendos, ainda sobraram US$2,5 bilhões.

Com números tão positivos, mexer no câmbio flutuante, na meta de inflação ou na política fiscal parece mais grave para o mercado do que eventuais trocas de comando na área econômica do governo.

¿ Duvido que houvesse motivação para qualquer um que viesse a assumir o Ministério da Fazenda mudar a atual direção da política econômica ¿ diz Málaga.

Taxa de investimento registra crescimento

Além disso, a despeito da crise política, constata-se que existem condições para que a economia cresça, em 2005, além do que vinha sendo esperado: a inflação está sob controle, a renda, o crédito e os investimentos, em expansão. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é uma das instituições que está revendo a sua previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ¿ de 2,8% para algo em torno de 3% a 3,5% ¿ informa o economista Estevão Kopschitz.

Entre os fatores propulsores do crescimento está a forte queda dos preços. Os índices de preços ao consumidor da Fundação Getulio Vargas já vêm registrando deflação (taxa negativa) há três meses, fenômeno que tende a se manter por pelo menos mais um mês. O aumento da renda -¿ reforçado pela recente elevação do valor do salário mínimo ¿ e o crédito farto também contribuem para impulsionar o consumo.

¿ Os problemas políticos estão afetando a confiança do consumidor só quando ele pensa no país, não quando ele considera a situação familiar ¿ acrescenta o economista João Carlos Gomes, da Federação de Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio). ¿ A expectativa da instituição é de que as vendas do comércio continuem crescendo gradualmente até o Natal.

Há ainda indicações de que a trajetória da taxa de investimentos (Formação Bruta de Capital Fixo) deu uma guinada para cima. Pelas contas de Elisa Pessoa, da Opus, o indicador registrou crescimento de 4,5% do primeiro para o segundo trimestre. Isto, depois de ter caído 3,5% no período de janeiro a março deste ano, na comparação com o último trimestre de 2004. Os dados do Ipea também apontam para uma expansão de até 6,5% da taxa no segundo trimestre de 2005, em relação ao mesmo período do ano passado, acrescenta Kopschitz.

O fato é que os investimentos, acrescenta Elisa, têm papel muito dinâmico, porque influenciam diretamente o resultado do PIB e ainda geram mais capacidade futura de produção, aumentando a oferta de produtos sem provocar pressão inflacionária. Continuando assim, apesar das altas taxas de juros em vigor, a taxa de investimento pode chegar a cerca de 20% do PIB. O resultado é positivo, mas ainda inferior à proporção investida pelo Chile (25%), ou pela China (30%).