Título: O AVALISTA
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 22/08/2005, O País, p. 4

Ao sustentar que a economia tem fundamentos sólidos, Antonio Palocci disse que não é insubstituível. Nas duas horas e meia em que rebateu as acusações de que é alvo, porém, mostrou que é. Somente o porvir, que ele diz não temer, pode confirmar sua defesa. Mas é razoável pensar que, tivessem tido outros petistas acusados a mesma atitude, a crise não teria chegado onde chegou.

Governistas, oposicionistas, gregos e troianos respiraram aliviados com a entrevista de Palocci. A expectativa é de que o mercado também reflita esse espírito. Mais do que isso, porém, a entrada do ministro da Fazenda em cena terá efeitos políticos. Pode mudar o eixo da crise, ainda que ela esteja longe de acabar. Mas agora é preciso levar em conta:

1. Um maior questionamento da credibilidade dos acusadores - O fato de parte das afirmações de Roberto Jefferson, que misturou verdades e mentiras, ter sido comprovada não pode legitimar toda e qualquer acusação ou acusador, como vem ocorrendo. A CPI não pode ir visitar todos os Toninhos da Barcelona que aparecem, procuradores não podem ficar dando entrevistas sobre depoimentos antes que acabem, denúncias divulgadas devem vir acompanhadas de um mínimo de provas e o instituto da delação premiada deve ser usado na hora certa, e com critério. É o que se ouviu muito, inclusive na oposição, nas últimas 48 horas.

2. Susto faz oposições pensarem duas vezes - Buratti não é uma invenção da oposição, mas a forma como seu depoimento foi tomado e divulgado pelo Ministério Público de São Paulo deixou muita gente com a pulga atrás da orelha. Foi o episódio mais dramático de uma escalada que, a continuar, pode levar o país sabe-se lá para onde. O envolvimento do principal avalista e guardião da política econômica, a agitação dos mercados na sexta-feira, tudo isso deu aos setores interessados nessa política uma idéia clara do que acontecerá se as coisas fugirem ao controle. Talvez agora o andor da crise vá mais devagar. E esse estado de espírito, evidentemente, pode acabar por beneficiar o próprio Lula.

3. As investigações não podem parar e a suposta inocência de Palocci não livra o PT de suas culpas - A opinião pública não quer saber de acordão. Não é porque Palocci se defendeu de forma contundente e convincente que as investigações não devam continuar ¿ inclusive as da CPI dos Bingos, que deverá chamar Buratti novamente e, possivelmente, o próprio Palocci. A entrevista de ontem pode ter mudado o clima em relação às acusações que pesam sobre o ministro da Fazenda, mas o resto do PT continua onde sempre esteve: enrolado nas operações do valerioduto, no escândalo do mensalão, no caixa dois. O PT continua precisando purgar seus pecados, expulsar os responsáveis etc.

4. Política econômica é de Lula, mas sem Palocci vai ser difícil segurar - O ministro da Fazenda fez questão de bater nessa tecla, sob o argumento de que o ministro pode ser trocado, mas que os pilares da economia continuam sólidos porque são garantidos pelo presidente Lula. É certo que a política econômica é e sempre foi de Lula, um presidente muito cioso de suas prerrogativas. Mas Lula continua garantindo a política sobretudo porque, no jogo de forças interno do governo, Palocci tem sido mais forte e convincente do que aqueles que querem mudá-la. Lula sabe que, tirando Palocci, ainda que seu substituto tenha um perfil ortodoxo ¿ como o de Murilo Portugal, por exemplo ¿ dificilmente terá a força política do antecessor para fazer prevalecer essa política. Tanto que nem pensou na substituição que Palocci, gentilmente, lhe sugeriu. Um gesto.

5. As contradições do PT continuam a ser um complicador - Neste momento de extrema fragilidade, o governo se vê num sério dilema: precisa mudar a direção do PT e implodir o Campo Majoritário de José Dirceu e Genoino. O problema é que esse grupo é que sempre sustentou, com mãos-de-ferro, a política econômica no diretório nacional do partido. Tarso Genro, o novo presidente, é um dos críticos dessa política, assim como as alas mais à esquerda do PT que devem apoiá-lo. Ou seja, confusão à vista. Que ficaria pior sem Palocci, que avisou que mexer nisso agora será um ¿erro maior do que o Brasil¿.

6. Se todos fossem iguais a você... - Apenas as investigações poderão esclarecer cabalmente o que é verdade e o que é mentira nessa crise toda. Mas não há dúvidas de que encarar de frente acusações e tentar esclarecê-las, sem fugas ou subterfúgios, ajuda muito.