Título: Em banho-maria
Autor: Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 22/08/2005, O Globo, p. 2

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, deu ontem uma rara demonstração de agilidade para um governo cuja principal característica é a demora em reagir aos fatos. A temperatura da crise seria mais elevada hoje se ele não tivesse falado sobre suas relações com Rogério Buratti. Líderes governistas estão aliviados e os de oposição reconheceram que a repercussão será boa no mercado.

Os parlamentares de oposição fizeram questão de assinalar a diferença no discurso do ministro em relação aos que vem sendo feitos pelo presidente Lula. O ministro demonstrou ter mais segurança em relação ao que ocorreu em sua gestão na prefeitura de Ribeirão Preto do que o presidente Lula em relação à operação política montada pela antiga cúpula petista. Em seu discurso também não há lugar para ataques difusos contra as elites e os jogos rasteiros. Sem tergiversar, Palocci atribui a crise ¿a um problema real¿ e diz que parcela do governo e do partido tem culpa.

Os governistas elogiaram a serenidade de Palocci, mas continuam apreensivos. O ministro da Integração, Ciro Gomes, afirma que ¿todo dia é um susto, pois não temos idéia do que vem¿. Como diz o prefeito de Aracaju, Marcelo Déda, a principal característica da crise atual é a imprevisibilidade. A incerteza não decorre apenas do surgimento de fatos novos, mas também da luta interna dentro do PT. Hoje ou amanhã, essa tranqüilidade poderá ser abalada pela decisão do presidente do PT, Tarso Genro, de não disputar as eleições internas de 18 de setembro, caso o deputado José Dirceu (PT-SP), decida se manter na chapa do Campo Majoritário para o Diretório Nacional.

O discurso de Palocci já está sintonizado com a nova orientação do governo. A ordem é reduzir o bombardeio sobre o PSDB. Na coordenação de governo há um consenso de que só há um jeito de acabar com a crise: investigar e punir quem fez coisas erradas. Pois se avalia que acusar equívocos alheios não explica os erros cometidos pelos petistas. Pelo contrário, agrava a crise, na medida em que dificulta o diálogo. O fato de essa linha prevalecer significa uma derrota da tese do confronto, que era defendida no governo por José Dirceu. O governo Lula terá alguma dificuldade para implementar essa diretriz. Sua defesa tem sido feita até agora por uma ¿infantaria caótica¿.

Frase do presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), sobre o caixa dois nas campanhas eleitorais: ¿Acredito que o presidente Lula não sabia, eu também não sabia.¿

Na trilha da grana

A assessoria técnica do PSDB produziu um gráfico relacionando os saques no Banco Rural com a agenda política dos dois primeiros anos do governo Lula. Os dados mostram que os petistas receberam 64,37% e o PL 25,51% dos repasses do valerioduto em 2003. Mais de dois terços dos saques de petistas ocorreram entre janeiro e junho de 2003. Esse fluxo de recursos sugere que o dinheiro foi usado para pagar dívidas da campanha de 2002.

O PL recebeu 45% dos recursos no início de 2003, quando o partido estava ampliando sua bancada, e o restante, de agosto a dezembro, quando o Congresso votava as reformas da Previdência e tributária.

Em 2004, o PT recebeu 32% do dinheiro do valerioduto, o PP 25%, o PTB 24% e o PL 14%. A análise dos números sugere que a maior parte do dinheiro foi usada para financiar candidaturas nas eleições municipais. Depois de julho, o PT recebeu mais de 50% de seu quinhão, o PTB 80%, o PP 60% e o PL 40%. A participação do PMDB no esquema foi marginal. O partido levou apenas 3,5% nos dois anos.

O dinheiro

Integrantes do Conselho de Ética da Câmara tiveram uma conversa reservada sobre o critério que seria adotado para propor a perda de mandato por quebra do decoro parlamentar. Uma das teses levantadas prevê que sejam punidos todos os que receberam dinheiro espúrio. No caso, não importa se era mensalão ou caixa dois, mas a origem criminosa do dinheiro. Se for adotado, tucanos e pefelistas entram na roda.

O VICE-LÍDER do PSDB, deputado Eduardo Paes (RJ), sai em defesa da decisão da CPI dos Correios de ouvir o doleiro Toninho da Barcelona: ¿Quem entrega é bandido, só quem participa de esquemas ilícitos sabe das coisas¿.

O LÍDER DO PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), avalia que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ainda ficou devendo uma explicação convincente sobre a relação de Rogério Buratti com seu chefe de gabinete, Juscelino Dourado.

O RELATOR da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PR), informa que a comissão já tem provas de superfaturamento em vários contratos nos Correios.

E-mail para esta coluna: ilimar@bsb.oglobo.com.br

Rotina

A crise política mudou a vida do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Ele despacha diariamente às 9h com o diretor da Polícia Federal, o delegado Paulo Lacerda. Depois passa o resto da manhã e boa parte da tarde no Palácio do Planalto. O ministro da Integração, Ciro Gomes, também virou um assíduo freqüentador do Palácio, sendo convocado para participar de até três reuniões e conversas por semana.