Título: SEM BURATTI NO PALOCCI
Autor: Paulo Guedes
Fonte: O Globo, 22/08/2005, Opinião, p. 7

As breves considerações do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no início da entrevista coletiva de domingo, foram de excepcional qualidade. Como um homem público a serviço da Grande Sociedade Aberta, colocou imediatamente o cargo à disposição do presidente Lula, dando ênfase à importância do capital institucional na determinação dos rumos da economia.

Palocci afirma que os regimes fiscal, monetário e cambial, adotados por decisão do presidente, teriam produzido os sólidos fundamentos atuais. Modestamente, diz que seu mérito teria sido simplesmente implementá-los durante a traumática transição. Atribui-se alguma importância naquele momento crítico, mas não agora, quando poderia ser substituído sem grandes perturbações. Defende também, citando o presidente Lula, a busca da verdade e a punição dos culpados.

A favor do ministro Palocci, é preciso reconhecer o papel crítico por ele desempenhado. Deve-se a ele o fato de a social-democracia não ter entrado em combustão espontânea no país. Na eleição de 2002 havia o clamor sobre a herança maldita, a colossal dívida pública. O dólar disparou e boa parte da dívida pública era indexada ao dólar. Os petistas acusavam os tucanos de terem encharcado o paiol de gasolina, enquanto os tucanos acusavam os petistas de entrarem no paiol com a tocha acesa, com propostas de moratória e controle de capitais. E o que é pior: ambos tinham razão.

Lula teve o bom senso de atribuir a Palocci o papel dominante na área econômica. Palocci foi uma figura-chave, a ponte para fazer uma transição bem-sucedida. E, em 2006, seria certamente o maior eleitor de Lula, pelo crescimento já engatilhado. Seria lamentável ver seu talento tragado pelo mar de lama.

Sou um liberal-democrata, sem filiação partidária. Nunca votei no PT. Tenho simpatia pelo presidente, como indivíduo. E quero crer em Palocci. Sua apresentação foi o primeiro depoimento favorável ao governo Lula. Direto, fulminante, sem evasivas, ao contrário do observado nos depoimentos de Marcos Valério, Delúbio Soares, Sílvio Pereira e José Dirceu, todos incriminadores, pelo dito e pelo não dito.

Mas para fundamentar minha crença, terei de admitir que o PT pratica a divisão do trabalho com mais eficiência que muitas empresas capitalistas. No partido, Palocci, desde a prefeitura de Ribeirão Preto até o Ministério da Fazenda, cuidaria somente de questões técnicas e políticas. Ao presidente Lula caberia a tarefa de buscar votos. Seriam responsáveis pela máquina de arrecadação figuras como Delúbio, Marcos Valério e Sérgio Gomes da Silva, conhecido como Sombra. Uma formidável divisão de trabalho (Adam Smith) produzindo completa alienação (Marx).

Um observador ingênuo, acreditando na evolução da Sociedade Aberta, esperaria que o indignado Tarso Genro, apontado pelo presidente para refundação do partido, expelisse do PT o grupo responsável pelos desvios de conduta. Que o Congresso, com base nas investigações das CPIs, cortasse fundo na própria carne e compreendesse finalmente a inevitabilidade da reforma política. E, quanto à sorte de Lula e seu governo, faço minhas as palavras de Palocci: que funcionem as instituições. Como diria Chico Caruso, sem Buratti no Palocci dá pro Lula continuar.