Título: O MENSALÃO DOS POLICIAIS
Autor: Antonio Werneck e Gustavo Goulart
Fonte: O Globo, 21/08/2005, Rio, p. 18

Escuta flagra agentes civis, militares e da PF subornados pela máfia dos combustíveis

Um grupo de policiais civis, militares e federais está sendo investigado no Rio acusado de cobrar até R$40 mil por mês de propina de empresários ligados à máfia dos combustíveis adulterados. O dinheiro ¿ que os policiais se referiam como ¿mensalão¿ antes de ter vindo à tona o escândalo político em Brasília ¿ estaria sendo distribuído para evitar a fiscalização ou apreensão de caminhões. Os nomes dos policiais aparecem em relatório da Polícia Federal entregue ao Ministério Público federal e à Justiça federal. Eles também são acusados de tráfico de influência, de envolvimento com contrabandistas e ainda de receberem dinheiro para escoltar comboio de caminhões com combustível adulterado.

O GLOBO teve acesso a trechos do documento, preparado a partir de escutas autorizadas pela Justiça. As investigações estão sob segredo de Justiça. Os suspeitos tiveram seus telefonemas monitorados num período de cerca de dez meses em 2003 e 2004 durante a operação Poeira no Asfalto, realizada ano passado por policiais federais de Brasília. Na operação, 47 pessoas foram presas. Os investigados dizem nas conversas gravadas que supostamente contariam com proteção de políticos (são citados prefeitos e ex-prefeitos da Baixada Fluminense, deputados estaduais e federais e um homem que seria desembargador). Também falam de um funcionário do Tribunal de Contas da União (TCU), mas que estaria à disposição do Palácio Guanabara.

Policial seria morto em assalto simulado

Aparecem na investigação policiais lotados em três delegacias especializadas e uma delegacia distrital da Polícia Civil do Rio; dois delegados, um escrivão e três agentes da Superintendência da Polícia Federal no Rio; e ainda ao menos quatro policiais militares, dois deles identificados pelos apelidos e lotados no 3º BPM (Méier).

¿ Você tem que pagar todo aquele que tá atrasado (...). Então queremos R$40 mil para liberar a carreta. Você tá devendo para nós ¿ diz um policial civil em tom de ameaça.

¿ Não tô devendo nada pra vocês. Tá maluco! Vamos acertar aí. Eu te pago dois, três, cinco mil (R$5 mil) por essa carreta (que foi apreendida com combustível supostamente adulterado ); e acertamos o mensalão daqui pra frente. Não tem problema não ¿ responde um empresário.

Nas conversas gravadas pelos policiais federais, empresários supostamente ligados à máfia dos combustíveis se mostram revoltados com as seguidas extorsões de policiais.

¿ Foi levar dinheiro para quem? ¿ pergunta uma mulher.

¿ Para esse X ¿ responde um empresário.

¿ Pega esse X e dá um pau nele.

¿ Até isso é muito difícil, ele é policial ¿ diz o empresário.

¿ Então mata de uma vez, que sujeito nojento (....) ¿ sugere a mulher por fim.

O policial X. se apresentou como lotado na Delegacia de Repressão às Ações do Crime Organizado (Draco), uma das principais unidades especializadas da Polícia Civil. Um delegado da Draco, que supostamente também estaria querendo receber dinheiro, é citado na conversa de dois empresários. Em julho de 2004, numa gravação da PF, eles chegam a planejar o assassinato do policial que ocorreria durante a simulação de um assalto, com o uso de um motoqueiro.

¿ Ele tá querendo dinheiro ¿ avisa um empresário.

¿ Manda ele pro inferno ¿ responde o outro.

Em março deste ano, um carro (um Honda Corolla) com quatro homens emparelhou por volta das 7h50m com o carro ocupado por um delegado da Draco. Foi no Elevado da Perimetral. Um dos homens estava armado com um fuzil. Na época, o delegado contou ao GLOBO que ao perceber que seria vítima de um atentado atirou primeiro e acreditava ter baleado ao menos dois dos ocupantes. A Draco realiza grandes investigações: tem inquérito para apurar mortes atribuídas à máfia do transporte clandestino; de repressão à máfia dos caça-níqueis e por último investigou empresários ligados a máfia dos combustíveis.

Durante a suposta relação com os policiais da Draco, que estariam impondo muitas exigências, os empresários falam em mobilizar um amigo que supostamente seria desembargador.

¿ Já tá se mexendo os pauzinhos aí (...), com o desembargador aí (...). É irmão de um amigo meu. E ele vai levar tudo pra falar no pé do ouvido (...) ¿ diz uma dos homens.

Em outra conversa grampeada, dois empresários conversam sobre o pagamento de propinas no Rio e como o dinheiro supostamente é repartido entre delegacias especializadas no estado:

¿ Quando custa esse tipo de acerto aí?

¿ Cinco paus (seriam R$5 mil ) por mês de cada uma delas.

¿ Então vamos supor: paga cinco na Fazendária e cinco na outra...

¿ Isso.

A conclusão ¿ durante as operações dos policiais federais de Brasília ¿ é que policiais civis, militares e federais sabiam que determinadas carretas transportavam combustível adulterado. E em várias situações os veículos eram ¿apreendidos¿ apenas para haver facilidade na negociação. Foi o que revelou uma escuta envolvendo policiais civis, um empresário, seu motorista e policiais que fariam parte da escolta do caminhão.

¿ Como é que a gente resolve esse negócio aí, cara? ¿ pergunta o empresário.

¿ Eu quis resolver. Só que quando tu botar (sic) um polícia para resolver, tu botas um polícia mais flexível. Ele acha que a carteira dele é mais do que a de quatro (...). Estou indo pra Draco ¿ diz o policial.

A conversa dos dois prossegue. O policial lembrou que na mesma semana pegou uma carreta do empresário e liberou ¿de graça¿.

¿ Não foi de graça ¿ responde o empresário.

¿ O valor foi mínimo. Pela consideração ¿ retrucou o policial.

¿ Você pegou seiscentas pratas (R$600) ¿ lembra o empresário.

No fim o policial pede R$5 mil para liberar os caminhões. O empresário acaba conseguindo reduzir o valor para R$2 mil.