Título: TERREMOTO PETISTA
Autor:
Fonte: O Globo, 24/08/2005, Opinião, p. 6

Os efeitos do sismo causado pela descoberta de um esquema de corrupção montado nas proximidades do gabinete do presidente da República são amplos no PT e na esquerda em geral. A crise ainda reverbera. É impossível, hoje, saber-se ao certo a dimensão dos estragos, e como a crise ¿ inédita, por atingir de forma devastadora a maior e mais desfraldada bandeira petista e da esquerda como um todo, a da ética ¿ moldará o próprio partido e legendas afins.

Passado o primeiro momento de perplexidade e depressão nas bases do PT, e entre dirigentes não envolvidos com o propinoduto, eclodiu dura luta na legenda em torno das eleições internas, marcadas para setembro. Mesmo com a imagem desgastada e indicado para cassação na Câmara dos Deputados, o ex-ministro José Dirceu enfrentou o presidente do partido, Tarso Genro, e rejeitou apelos para não participar do pleito. Tarso ameaçou sair da presidência e não concorrer caso Dirceu insistisse em continuar a controlar o partido. Ontem, Tarso se declarou derrotado. Mau sinal para o PT.

Saber, porém, ao certo como se posicionarão o PT e a esquerda na política nacional, ao saírem dos escombros do cataclismo do valerioduto delubiano, é questão ainda em aberto. A desilusão com o PT pode levar militantes a se abrigarem em legendas mais à esquerda, cuja viabilidade eleitoral é quase nula. O êxodo poderá ser amplo ou não. Muito dessa acomodação de terreno dependerá da capacidade de esses militantes decodificarem o que de fato aconteceu. Há intelectuais petistas ainda tomados por visões delirantes. Como a de que tudo aconteceu por causa de uma ¿armadilha tucana¿ engatilhada na transição de governo ¿ uma tese enigmática.

Há mesmo quem demonstre saudades do tempo em que se pensou em rupturas institucionais, e considere que o erro de Lula foi ter acreditado na ¿via eleitoral¿.

Tão mais madura será a transição no PT quanto mais claramente for compreendido algo simples: que um grupo tentou executar um projeto de poder a qualquer custo, sem avaliar os anticorpos que já existem na sociedade brasileira contra aventuras desse tipo. Teorias conspiratórias e análises esotéricas apenas retardarão a remontagem do partido para continuar a participar do jogo democrático.