Título: Dirceu na arena
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 24/08/2005, O Globo, p. 2

A partir da redemocratização de 1945, já foram cassados 180 deputados brasileiros. Boa parte por motivos políticos, como os 14 parlamentares do PCB em 1947, e outros tantos durante o regime militar. Por quebra de decoro foram 19 cassações mas nenhuma delas atingiu alguém na situação de José Dirceu, licenciado do mandato para ocupar o cargo de ministro de Estado. A ausência de jurisprudência é o trunfo com que trabalhará a defesa de Dirceu na busca de uma liminar do STF contra o processo.

Na Câmara, o julgamento é eminentemente político e há quem afirme que, no plenário, a cassação de Dirceu obterá mais votos que a de Roberto Jefferson. Mas o STF não dispensa o argumento jurídico perfeito. Foi exatamente isso que levou à absolvição de Collor mesmo depois de ter sofrido o impeachment.

A consultoria jurídica da Câmara assegurou ao Conselho de Ética a existência de precedentes, de deputados cassados por fatos ocorridos fora do exercício do mandato. Ocorreram de fato cassações por crimes cometidos antes da diplomação, como no caso relativamente recente de Hildebrando Pascoal. Nenhum, entretanto, de deputado licenciado e que ¿estava¿ ministro.

Os crimes de responsabilidade cometidos por ministros de Estado são julgados pelo STF. Este será o argumento que a defesa de Dirceu apresentará ao Supremo pedindo uma liminar contra o prosseguimento de seu processo de cassação. Isso ocorrerá provavelmente entre a sentença do Conselho de Ética e o julgamento em plenário. Obtida a liminar, até que se julgue o mérito, Dirceu pode conseguir pelo menos adiar seu julgamento, empurrando-o para um momento em que a Câmara já não esteja tão pressionada a cortar cabeças para saciar a indignação da opinião pública.

Num sinal de receptividade do meio jurídico ao argumento, o presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, endossou ontem a tese de que o decoro guarda relação com o exercício do mandato. No STF, as opiniões seriam divididas.

Quando depôs no Conselho de Ética, Dirceu repeliu pressões para que renunciasse e afirmou que lutaria até o fim pelo mandato. Está enviando a 512 deputados cópia de sua defesa subscrita pelo advogado José Luiz Oliveira Lima. Seu conteúdo já foi divulgado. Considera um delírio de Roberto Jefferson a acusação de que comandou um esquema de levantamento de fundos para pagar mensalão a deputados.

Marcos Valério e sua mulher Renilda, diz a defesa, não apontaram Dirceu como idealizador dos empréstimos bancários, diferentemente do que sustenta o acusador. Disseram apenas que ele tinha conhecimento deles. E aqui a defesa admite que Dirceu sabia ¿vagamente¿ das dificuldades financeiras do PT mas não dos detalhes da solução encontrada por Delúbio Soares. Diz ainda que a acusação é genérica, não apontando os deputados beneficiados nem as votações viciadas.

Recolhido, Dirceu trava a batalha da cassação ciente do cerco que enfrenta mas disposto a gastar até o último tiro. Tentará conversar pessoalmente com todos os deputados que se disponham a ouvi-lo. Mas até mesmo no PT, segundo deputados da ala esquerda, existem uns 20 deputados querendo sua degola.

Hoje Dirceu deve dizer oficialmente que não vai retirar seu nome da chapa do Campo Majoritário que concorre à direção do PT. Com isso, Tarso Genro deve desistir de sua candidatura, deflagrando uma imprevisível disputa interna pelo controle e renovação do partido. Mas é o mandato, diz ele, que explica a recusa: se for escorraçado do próprio partido, estará perdido na luta contra a cassação. Seria diferente se Tarso não tivesse divulgado o pedido que lhe fez antes de obter sua resposta.