Título: Taxa inexplicável
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 24/08/2005, Economia, p. 24

A previsão de inflação para este ano derreteu nas últimas semanas. Caiu também a previsão para os próximos 12 meses e para o ano que vem. Hoje a distância entre a expectativa do mercado e a meta é de dois décimos de ponto percentual. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse que a taxa de juros é alta no Brasil por causa da incerteza do mercado em relação à trajetória da inflação. Faltou explicar por que os juros não caem quando a trajetória prevista cai.

É difícil explicar os juros brasileiros. Meirelles não deveria usar argumentos que contrariam os fatos que todos estão vendo. A previsão da inflação para o ano está caindo há várias semanas; há pelo menos três reuniões do Copom. Em maio, os analistas previam 6,38%; de lá para cá, despencou e já está em 5,3%, para uma meta de 5,1%. Certamente, uma diferença dessa entre expectativa e meta não exige uma taxa real de juros de 14%. É usar míssil para matar formiga.

Os juros brasileiros desafiam os economistas. Não é banal a explicação. Nem é tão fácil derrubá-los, como pensam os leigos; nem são tão aceitáveis quanto imaginam certos especialistas. O país tem um monstrengo no lugar da taxa de juros básica e, mesmo que ela caia, continuará tão mais alta que a de outros países que é necessário deixar as desculpas de sempre para se aprofundar na procura das causas de nível tão exageradamente alto e tão persistente.

Felizmente, a partir de setembro, o país entrará numa trajetória de queda das taxas de juros, mas perdemos já o melhor momento para iniciar essa descida. Agora o país está mergulhado em outra fonte de incerteza: a crise política. Outro argumento do presidente do Banco Central, apresentado ontem durante uma palestra, é o tamanho da dívida brasileira. É grande, sim, mas já caiu e tem hoje um perfil melhor.

Há dois anos, o Tesouro devia o equivalente a US$64 bilhões indexados ao câmbio; no fim de 2003, o total havia caído para US$56 bilhões; em 2004, caiu para US$30 bilhões e agora está em US$15 bilhões; isso é menos que 5% da dívida. Hoje o problema da dívida cambial, na análise feita pelo Bradesco, é ¿irrelevante¿. A dívida pública ainda é predominantemente pós-fixada, mas como a perspectiva agora é de queda dos juros, o próprio mercado começará a demandar títulos pré-fixados que dêem um ganho maior. Os prazos ainda são curtos, 44% da dívida vencem em 12 meses, mas já houve um perfil de vencimento muito mais curto. A dívida brasileira é um dos fatores dos juros altos, mas os juros altíssimos são um dos motivos pelos quais a dívida não cai mais rapidamente apesar de o país estar no sétimo ano consecutivo de superávit primário.

A inflação brasileira é alta para padrões mundiais. Mas a da Indonésia está em 7,8% ao ano, com juros de 8,9%. A das Filipinas está em 7,6%, com juros de 7,1%. Da Rússia está em 13% com juros de 13%. Da Argentina está em 9%, com juros de 6,81%, da Venezuela está em 15,3% com juros de 10,76%. Não é para copiar nenhum desses países, principalmente os nossos vizinhos com juros negativos, mas não é para considerar normal ter juros de 19,75%.