Título: O tiro premiado
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 20/08/2005, O Globo, p. 2

A cautela da oposição diante das acusações de Rogério Buratti ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ainda que expressando preocupação responsável com a economia, fala também de uma ficha que cai: legitimada a onda de delação estimulada de criminosos contra políticos, criada esta cultura, amanhã ela pode atingir também os que hoje quebram os dentes do PT.

Ao atuar como porta-voz de Buratti, interrompendo seu depoimento para ir contar aos jornalistas o que ouvira contra Palocci, o procurador Sebastião Sérgio da Silveira abriu a comporta que faltava e deu uma descarga de alta voltagem nos nervos do mercado. Com isso não contribuiu em nada para acelerar as investigações. Soube-se no governo à noite que o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Saulo Queiroz, distribuiu pessoalmente uma fita de vídeo gravada durante o depoimento.

Essas atitudes, depois da espantosa divulgação, por membros da CPI dos Correios, de ameaças de delação do presidiário Toninho da Barcelona - envolvendo o ministro da Justiça e o presidente do BC - confirmam uma escalada acusatória que toma ares de macartismo em nome da ética. O governo Lula vai passar mas o veneno ficará no ar.

O líder da minoria, que é um duro opositor do governo, José Carlos Aleluia, chegou a discursar criticando a leviandade de seus colegas da CPI. Ontem, novamente, não foram apenas os governistas que protestaram contra o ataque a Palocci.

- Estou estarrecido com o que aconteceu hoje. O Ministério Púbico é uma instituição essencial mas a conduta deste promotor precisa ser examinada pelo Conselho Nacional da Magistratura - diz o deputado Francisco Dornelles, que foi ministro de Fernando Henrique.

O ex-presidente também pediu cautela aos seus. O governador Aécio Neves, outro tucano, pediu cuidado com a onda denunciatória e com o uso da delação premiada no auge de uma crise política.

Jorge Viana, governador petista do Acre, lembra que este recurso só deve ser usado quando a Justiça enfrenta extrema dificuldade para encontrar provas.

- Aqui no Acre o recurso foi usado porque era a única forma de alcançarmos o crime organizado que atuava no estado. Mas não é o caso agora, quando existem três CPIs funcionando, e a Polícia Federal e o Ministério Público não enfrentam qualquer obstáculo, muito pelo contrário, só recebem estímulos para tudo investigar. Por que então a pressa, o açodamento que produz manchetes escandalosas e nada esclarece?

Na esquerda petista, que combate a política de Palocci, também houve condenação:

- Não faremos luta política com as palavras de um criminoso. Lamentável é que doleiros condenados e cafetinas estejam ganhando tanta credibilidade, e que um fiscal da lei corra a divulgar um depoimento inconcluso, uma denúncia que tem por testemunha um morto - diz o deputado Chico Alencar.

O morto é Ralf Barquete, ex-assessor de Palocci que, segundo Buratti, receberia os R$50 mil mensais de propina para o PT.

Tudo precisa ser investigado, não se deve passar a mão na cabeça de ninguém, como diz o líder tucano Arthur Virgílio. Se o próprio presidente tem seu impeachment cogitado pela oposição, suspeitas envolvendo o ministro da Fazenda também devem ser esclarecidas. Mas com a mesma observância dos ritos que tem levado à demora das cassações de deputados, apesar da impaciência popular.

Na quinta-feira, a CPI dos Bingos já tentara aprovar a convocação de Palocci. Certamente ela agora virá, quebrando a blindagem do ministro que vinha funcionando como avalista principal do governo. Mais uma vez, a denúncia parte de um aliado, se não de um aliado político como Roberto Jefferson, de um antigo colaborador de Palocci. É com os próximos que funciona a delação premiada mas quando os envolvidos são figuras públicas, é grande o risco de seu desvirtuamento em delação caluniosa.