Título: ABAFOU GERAL NA CPI
Autor: Demóstenes Torres
Fonte: O Globo, 20/08/2005, Opinião, p. 7

Durante toda a crise política, as quintas-feiras foram dramáticas para o governo Lula. Era sempre um dia penitente. Nas CPMIs, depoimentos bombásticos aumentavam a temperatura do escândalo. O quadro mudou. A última quinta-feira foi prodigiosa ao PT e agregados. A boa notícia? A CPMI dos Correios foi abafada. Por conta de um acordaço entre PT, base aliada e simpatizantes, as investigações estão programadas para atingir o paroxismo. O maior sistema de corrupção do Brasil republicano pode acabar na geladeira. O governo Lula está convencido de que a impunidade faz bem à garantia das instituições.

É prematuro afirmar que o Palácio do Planalto deu a volta por cima, mas sem dúvida obteve um ganho expressivo na última sessão da CPMI dos Correios. Tudo começou um dia antes, quando o PT pediu perdão ao Brasil e o presidente Lula declarou ser mais "aberto do que coração de mãe". Era a senha para uma manobra de êxito. De um gesto só, foram rejeitados os requerimentos de preferência de quatro testemunhos capitais ao desempenho das apurações. Estabeleceu-se um tipo de decurso de prazo para o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles; o ex-ministro Luiz Gushiken; o presidente do Sebrae, Paulo Okamoto e o doleiro Antônio Oliveira Claramunt.

Este último, apesar de cumprir 25 anos de pena por crime contra o sistema financeiro, entre outros, mereceu desclassificação sumária dos integrantes da bancada dos panos quentes. Como estamos tratando de uma operação criminosa, cuja escala ainda não sabemos, é natural que se ouça um criminoso, que afirma ter participado da ação em quadrilha. Isto é elementar no processo penal. Naturalmente, não se pode dar crédito absoluto a um bandido que quer ficar solto. Tampouco é de boa razão desconsiderar de chofre o seu depoimento. Principalmente porque a delação premiada pode abrir o caminho das provas materiais.

O depoimento do senhor Duda Mendonça foi o último grito na CPMI dos Correios. Agora, as conversas tendem a tomar o rumo do sussurro. Ao rejeitar a quebra do sigilo bancário das empresas do ex-publicitário do PT, a CPMI puxou o freio de mão. O máximo que se conseguiu foi a abertura das contas da empresa offshore, o que significa muito pouco. Fala-se muito que os parlamentares precisam avançar no exame das provas documentais. É correto. O que emperra o trabalho não é o absenteísmo de deputados e senadores, mas a precariedade dos documentos. Os bancos, além da sonegação de informações, enviaram documentação deliberadamente distorcida e tem sido penoso classificar os papéis para que se preze pela mínima organização.

O Brasil pode se preparar para que não haja nem mesmo a cassação de parlamentares envolvidos com o mensalão e o caixa dois. A possibilidade não é absurda, aliás, trata-se justamente do cimento restaurador dos cacos do PT e da base parlamentar conluiada. O retorno dos representantes dos partidos políticos ao Palácio do Planalto para conversas com o presidente Lula é indicativo de que, da forma mais panglossiana possível, tudo vai ficar bem porque assim tem de ser na democracia tropical brasileira. O pessoal decidiu esposar a falta de vergonha na cara. O cinismo do professor Delúbio Soares na CPI do Mensalão foi uma evidência de que o Palácio do Planalto escolheu apostar na impunidade.

O presidente Lula não tem mais base política, no entanto acredita que pode se sustentar salvando todos os envolvidos nos escândalos. A lógica é mais ou menos assim: à medida que se estancam as investigações, a matéria perde a motivação do fato novo e o desgaste é auto-absorvível pela sociedade. Fica patente que todos são impuros na política brasileira, cuja atividade é arquitetada para praticar o mal, independentemente da tez partidária. É a ética da devassidão. Sob tal vigência será permanente a suspeição de se atirar a primeira pedra, já que todos são habituais do lupanar. Depois do abafou geral, não se deprima caso o presidente Lula volte a envergar otimismo gracioso e declarar aberta a temporada da reeleição.

DEMÓSTENES TORRES é senador (PFL-GO) e membro titular da CPMI dos Correios.

O maior sistema de corrupção do Brasil republicano pode acabar na geladeira