Título: MAIS ÁGUA NO MOINHO
Autor: Cristiane Jungblut/Gerson Camarotti/Luiza Damé
Fonte: O Globo, 20/08/2005, O País, p. 8

Para aqueles que esperavam ao menos um sinal de que haveria mudança de rumo na política econômica, os primeiros meses do governo do PT foram surpreendentes. O próprio mercado ficou gratamente surpreso, já que o efeito Lula estava devidamente precificado. O álibi de início apresentado era que a economia brasileira estava à beira do precipício, desfazendo-se como gelatina, derretendo como manteiga, o que justificava as medidas de força então tomadas: elevação dos juros, já incrivelmente altos, elevação do superávit primário para além do exigido pelo FMI, corte brutal nos meios de pagamento.

A decretação desse estado de sítio na economia foi uma estratégia muito bem-sucedida, graças à facilidade com que conquistou corações e mentes - dos políticos de esquerda aos intelectuais críticos, dos movimentos sociais à opinião pública esclarecida - para conciliar o inconciliável, ou seja, fazer com que Lula parecesse estar realizando um governo de esquerda, com um programa de esquerda, mas com uma política macroeconômica absolutamente ortodoxa e conservadora. Para decepção de muitos, que acreditaram no discurso da exceção, o estado de sítio continuou decretado, mesmo vencido o período inicial. Ele passa então a ser justificado pelo argumento falacioso da ameaça de um retorno incontrolável da inflação.

A crise política agora vivida vai funcionando como reforço involuntário dessa estratégia, não só porque a política econômica se mostra como a tábua de salvação para que Lula consiga chegar a 2006, mas principalmente porque ela mantém o estado de sítio necessário para justificar juros de praticamente 20% no céu de brigadeiro da economia internacional.

As denúncias contra Palocci aprofundam a crise e facilitam ainda mais o discurso sobre a necessidade de manutenção das medidas excepcionais. Analistas econômicos, economistas acadêmicos, operadores de mercado, diretores de banco já correram à mídia para dizer que o que importa é a manutenção da política econômica, quaisquer que sejam seus comandantes. A repercussão das denúncias no mercado financeiro, adicionando instabilidade econômica à crise política, levará mais água a esse moinho. A normalidade da exceção deve continuar.

LEDA MARIA PAULANI Professora do Departamento de Economia da FEA/USP, presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política, autora de Modernidade e Discurso Econômico (Boitempo, 2005)