Título: SOB SUSPEITA
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 20/08/2005, O País, p. 4

Os dois principais ministros do governo Lula, Antonio Palocci, da Fazenda, e Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, foram, em questão de dias, atingidos por denúncias de corrupção de maneira irresponsável, sem que fossem apresentadas provas. Mesmo tendo a crise atual uma característica especial, pois quando parece que uma denúncia é completamente irresponsável ela acaba se confirmando, é preciso aguardar para ver se as provas surgirão. Mas, de qualquer maneira, o dano político já está feito.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que se transformou no grande conselheiro do presidente desde que a crise política passou a exigir suas habilidades de criminalista, foi acusado por um doleiro condenado a 25 anos de prisão de ter enviado dinheiro ilegalmente para o exterior. E o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi acusado por um ex-secretário seu na Prefeitura de Ribeirão Preto de receber um mensalão de R$50 mil de prestadoras de serviço para campanhas políticas do PT.

Os dois reagiram imediatamente, sendo que Thomaz Bastos apresentou os documentos referentes a uma remessa legal de dinheiro para o exterior em 1995, e o posterior reingresso no país. Como são, no momento, dois sustentáculos do precário governo Lula, até mesmo a oposição admite que é preciso muito cuidado ao tratar da questão, embora nenhuma denúncia possa ser descartada liminarmente.

Se a situação se deteriorar, é possível que a fragilização da equipe econômica do governo - que já tem o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, sob suspeita - tenha efeitos mais nocivos para o país que o tão temido processo de impeachment do presidente Lula. O fato é que o PT parece até que está sendo castigado por seu passado irresponsável politicamente. O partido pediu inúmeras vezes o impeachment do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, pelos mais diversos motivos, e tentou abrir outras tantas CPIs. E sempre se utilizou de uma parceria com os procuradores da República, em especial o desaparecido Luiz Francisco de Souza, para fazer denúncias as mais descabidas.

É novidade, nos métodos políticos petistas, essa sóbria atitude que o presidente Lula vem assumindo de tempos para cá, dizendo que todos têm direito a defesa e que as denúncias não podem significar a condenação automática do acusado. Essa sobriedade nunca fez parte da ação política do PT, que hoje reclamou, com razão, da afoiteza com que o procurador encarregado do caso Buratti interrompia o interrogatório para fazer relatos detalhados à imprensa.

O Ministério Público, aliás, sempre trabalhou com a crença de que as denúncias graves deveriam ser divulgadas pela imprensa para criar fatos consumados que impeçam qualquer tentativa de barrar as investigações. Não era muito diferente no tempo em que o PT era atiradeira em vez de vidraça, mas nunca houve um relato tão ostensivo dos depoimentos quanto agora. Os procuradores usavam muito uma tática em conluio com deputados do PT: indicavam a eles as denúncias que queriam ver investigadas e, baseados nas acusações dos petistas à imprensa, geralmente sem provas como agora, partiam para a investigação.

A atuação dos petistas nas prefeituras do interior paulista nos anos 90 será alvo das investigações também nas CPIs, onde deve depor o irmão do prefeito de Santo André Celso Daniel, assassinado em circunstâncias ainda não esclarecidas, e que a sua família e os procurados paulistas suspeitam estarem ligadas a esquemas de corrupção semelhantes a esse denunciado agora por Rogério Buratti.

O ministro da Justiça, por sua vez, além das denúncias do doleiro Toninho da Barcelona, será questionado por sua atuação na intermediação do novo depoimento do ex-tesoureiro Delúbio Soares ao Ministério Público, quando ele assumiu a versão do caixa-dois na campanha eleitoral. Na ocasião já havia sido questionado o fato de o advogado de Delúbio, Arnaldo Malheiros, ter pedido a ajuda de Thomaz Bastos para esse novo depoimento.

A desconfiança de que o ministro da Justiça tenha orientado essa nova versão, que foi assumida no dia seguinte pelo lobista Marcos Valério, e também pelo presidente da República na já célebre entrevista em Paris, embute a suspeita de que tenha agido para obstruir a Justiça, o que configuraria um crime passível de impeachment do presidente da República.

Por essa "teoria da conspiração", Márcio Thomaz Bastos teria conversado com o presidente pelo telefone na embaixada brasileira, dando conta da versão acertada. Por isso, o presidente teria comentado o uso do caixa-dois em campanhas eleitorais como fato corriqueiro. Acontece, porém, que por uma questão de fuso horário, quando o presidente deu a entrevista em Paris àquela repórter, nem Delúbio nem Valério tinham refeito seus depoimentos no Ministério Público. Embora a entrevista do presidente tenha sido dada na sexta-feira, só foi ao ar no domingo. E os depoimentos dos dois foram feitos na sexta-feira e no sábado.

Uma outra coincidência está intrigando a oposição: na entrevista, que por suas características inusuais foi inicialmente atribuída a um trabalho de marketing de Duda Mendonça, o presidente Lula diz a certa altura que "o problema da mentira é que você quando diz a primeira, tem que continuar mentindo até o fim". Pois Duda Mendonça, em seu depoimento na CPI dos Correios, repetiu a frase como coisa sua. O que deixou a impressão de que foi ele mesmo quem orientou a entrevista parisiense do presidente.

O ministro da Justiça diz que não se lembra de ter telefonado para o presidente nos dias em que ele estava em Paris. Mas garante que, mesmo que tenha falado, não foi sobre esse assunto.