Título: Frei Betto: petistas desmoralizaram a esquerda
Autor: Cláudia Lamego
Fonte: O Globo, 25/08/2005, O País, p. 15

Ex-assessor de Lula diz que grupo de dirigentes atolou pé e alma na corrupção, comprometendo o projeto esquerdista

Sem citar nomes, Frei Betto, ex-assessor e amigo do presidente Lula, classificou a crise política de tragédia grega e criticou o núcleo de dirigentes petistas que a desencadearam e, em conseqüência, desmoralizaram a esquerda no país. Ex-coordenador do Fome Zero, Frei Betto disse ter deixado o governo, em dezembro de 2004, por discordar da política econômica, mas frisou que, se tivesse tomado conhecimento dos fatos agora divulgados pela imprensa, teria saído antes.

¿ A direita brasileira não conseguiu em décadas o que um pequeno núcleo de dirigentes petistas conseguiu em poucos anos: desmoralizar a esquerda. Nem na ditadura se conseguiu desmoralizar a esquerda. Nós, que passamos pela prisão, saímos de cabeça erguida, porque a gente tem o santo orgulho de ter lutado, enfrentado e ajudado a resgatar a democracia no país. Depois de trabalhar junto aos movimentos populares para construir uma nova proposta ao país, um pequeno grupo de dirigentes vem, atola pé e alma na corrupção, comprometendo todo um projeto ¿ afirmou Frei Betto, em entrevista durante a 11ª Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, onde anteontem o cantor Chico Buarque também dera entrevista e dissera que a alma do país está ferida por causa da crise política.

Desencantado, mas não abatido

Apesar de se confessar desencantado, Frei Betto garantiu não estar abatido pela crise, mesmo sendo muito ligado ao presidente Lula. Ele disse ter força espiritual para enfrentar adversidades, já que tem fé em Jesus, que chamou de fracassado.

¿ Insisto em ser um teimoso homem de esperança. Eu costumo dizer que isso tem a ver com minha espiritualidade, afinal, eu creio num fracassado, Jesus, que morreu abandonado até pelos discípulos. Então acho que a dimensão aparentemente fracassada da minha fé, ajuda a manter a convicção de que a vitória está garantida. Nos últimos anos passei pela queda do Muro de Berlim, derrota da Revolução Sandinista e agora estou passando por este desencanto com o processo político brasileiro, agravado pela desmoralização da esquerda brasileira ¿ concluiu.

Para Frei Betto, apesar de o momento ser grave, o PT vai conseguir sair da crise e se reerguer:

¿ Creio que vamos sair disso, primeiro porque o PT é maior que tudo isso e, segundo, porque o que justifica a nossa luta é a existência da miséria.

O religioso afirmou que ficou surpreso ao ver as denúncias na TV e frisou que deixou o PT por divergências e para ter liberdade para criticar a condução da economia e dos projetos sociais.

¿ As razões que me levaram a deixar o governo foram duas: eu queria recuperar minha liberdade intelectual, até de poder criticar o governo, embora considere o governo Lula muito melhor do que governos anteriores e ainda acredito que o Brasil é melhor com Lula do que sem Lula. A outra é por discordar da política econômica. Ela é boa para os banqueiros, exportadores, agronegócio, grandes empresários, mas eu estou interessado nos 53 milhões de pobres. Embora o Bolsa Família beneficie sete milhões de famílias, o que é um avanço, mas estamos falando de um contingente muito maior de pessoas que precisam ser incluídas socialmente.