Título: BRASIL PRECISA DE CHICO
Autor: NELSON PAES LEME
Fonte: O Globo, 25/08/2005, Opinião, p. 7

Oex-presidente José Sarney acaba de produzir, no Senado, uma das mais importantes e oportunas peças discursivas do Parlamento no Brasil. Pela proposta de Sarney, ¿são necessárias duas linhas de ação complementares. A primeira é de, imediatamente, o mais rapidamente possível, da maneira mais dura, punir os culpados¿. A segunda: ¿devemos julgar o sistema eleitoral, promover imediatamente uma reforma política transitória para esta eleição (...) proibindo outdoors, showmícios, enfim, todo esse carnaval, o espetáculo que se constrói para vender pessoas¿.

Com exceção de um ou outro pecadilho (como a citação da dúbia proposta de constituinte congressual de Afonso Arinos e uma interpretação afobada da questão distrital), o discurso de Sarney é um conjunto de temas indispensáveis para análise não apenas de parlamentares, mas de acadêmicos e formadores de opinião em geral.

Ao contrário das considerações ponderadas de Sarney, um dos grandes equívocos do presidente Lula em suas falas, neste momento crucial da própria biografia, é não se descolar, com isenção e competência, do desgaste do Parlamento e dos partidos. A confusão do presidente está em não compreender que sua figura tem história diferente da história do Congresso, onde se encontram personagens variados de épocas distintas e compromissos algumas vezes nebulosos, envolvendo lobbies e interesses pessoais, como é comum acontecer nos parlamentos do mundo inteiro.

O governo Lula, por outro lado, vinha conseguindo aprovação sistemática nas pesquisas, inclusive das elites que insiste em atacar como alvo preferencial de suas desconfianças. O paranóico projeto de autodefesa ¿ da tentativa fantasmagórica de (não se sabe bem quem) apeá-lo do poder ¿ é algo que não faz bem à governabilidade nem à consolidação da democracia, das quais deveria ser o guardião mais aplicado, na qualidade de supremo magistrado.

Além de tudo, a instituição da Presidência da República não comporta esse tipo de bravata e exposição inadequada à mídia, impunemente. A História tem provado isso. Lula precisa compreender que suas declarações repercutem para além das fronteiras do Brasil, espantando investimentos e parcerias indispensáveis para levar avante o seu próprio projeto de governo. Daí toda a chamada liturgia do cargo e as rígidas normas de protocolo que ele deveria seguir com obediência. É bom lembrar, a esse propósito, que a palavra etiqueta tem sua origem semântica na ética grega.

A postura de um chefe de governo (que no nosso sistema presidencialista acumula a de chefe de Estado) deve ser a mais austera possível, na razão inversa da baixaria emanada do lodaçal que invade o nosso Parlamento, independentemente dos partidos que atinja. Tal postura deve estar acima de quaisquer rubores e arroubos de indignação momentâneos e episódicos. Nunca se fez tão necessária ao país a presença de um dirigente sereno e tolerante. Isento e respeitador das normas reguladoras do funcionamento dos poderes constituídos, como no momento atual, em que as vísceras do Parlamento da República estão expostas à nação. Em momentos como este, o silêncio, como dizia Alceu Amoroso Lima em uma de suas várias lições filosóficas, ¿é a plenitude da palavra¿. Porque a palavra errada pode desencadear o enfrentamento popular e o incontrolável, dado o nojo e a repugnância de que está tomado o povo. Pagar para ver, nesse caso, é um retrocesso e um insulto à História. Cada vez que Lula abre a boca, atualmente, a República treme de medo.

Por outro lado, a economia brasileira vem obtendo significativos resultados. Lula precisa falar disso à nação com rapidez e transparência, ainda que seu discurso dure horas a fio. Há ainda que se ponderar ao presidente o fato de não ter sido ele eleito apenas pela massa sindical, nem muito menos pelos excluídos. Mas sim, e principalmente, pelas classes médias, que acreditaram na proposta de mudança, a despeito dos partidos políticos que o apoiaram. Por isso o Brasil tem tanta necessidade do equilíbrio do presidente nesta hora, para a preservação da governabilidade e das instituições. Talvez seja o momento de chamar, para seu conselheiro pessoal, aquele famoso ministro imaginário, idealizado pelo genial Chico Buarque. Aquele que, ao pé do ouvido, viria como um anjo dizer baixinho antes do discurso inconseqüente: ¿presidente, vai dar m...¿