Título: CURSO SUPERIOR, SALÁRIO NEM TANTO
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 25/08/2005, Economia, p. 27

Renda dos trabalhadores com mais estudo recuou até 10,3% em um ano, diz IBGE

Rotatividade alta, mercado de trabalho desaquecido e mais oferta de pessoal qualificado fizeram os trabalhadores com 11 anos ou mais de estudo terem uma perda no rendimento médio real (descontada a inflação) de 4,7% em um ano. O recuo chega ao dobro disso quando se vira a lupa para os 50% que ganham menos entre os que concluíram o ensino superior: o salário ficou 10,3% menor em junho em relação ao mesmo mês de 2004, de acordo com levantamento inédito feito pelo IBGE, com base nas informações da Pesquisa Mensal de Emprego.

¿ Há um achatamento salarial claro. São empregados que não conseguiram recompor a renda ¿ afirma Cimar Azeredo, gerente da pesquisa do IBGE, que divulga hoje a taxa de desemprego de julho.

Mas nem todo mundo perdeu. As faixas intermediárias avançaram, principalmente, aquelas entre oito a dez anos de estudo. Houve uma alta de 4,7%. A remuneração variável pode explicar esse comportamento diferente entre os níveis de escolaridade, na opinião do economista da Unicamp Claudio Dedecca. Segundo ele, o nível superior concentra os assalariados, que dependem de negociação coletiva para recuperar os ganhos:

¿ Quando a economia começa a reagir, o rendimento desse contingente de trabalhadores que ganham comissões, por exemplo, avança mais rapidamente. Estão no comércio, serviços. Mas a renda média vai continuar patinando, se o país não acelerar o crescimento. Do jeito que está, ou cresce a renda ou cresce o emprego. Estamos vendo o aumento da ocupação, mas de remuneração pior.

Vaga nova paga 15% menos. Desigualdade cai

A inflação baixa e a aceleração do crescimento não foram suficientes para tirar do fundo do poço o rendimento, que registrou redução média de 0,3% nos últimos 12 meses terminados em junho. O mercado de trabalho abre vagas (a ocupação cresceu 3,4% no período), mas não consegue absorver os 2,050 milhões de desempregados nas seis regiões metropolitanas acompanhadas pela pesquisa do IBGE (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre). É o caso da bibliotecária Renata de Jesus Barbosa. Formada em biblioteconomia pela UFF, ela conseguiu trabalho num colégio particular ganhando R$520, mas perdeu a vaga em 2000.

¿ Fiquei em casa ajudando minha mãe a montar festas. Depois consegui um emprego há três meses, como operadora de telemarketing, recebendo R$300. E, agora, só aparece esse tipo de trabalho ¿ desabafa. ¿ Achei que a UFF iria abrir portas para eu ter um bom salário, mas não foi o que aconteceu.

A expectativa de Renata não é sem razão. O rendimento médio de quem tem o ensino superior é de R$2.648,20, o triplo do profissional que concluiu apenas o ensino médio, de R$877. A desigualdade ainda é a marca do mercado de trabalho brasileiro, lembra o diretor do Instituto de Economia da UFRJ, João Saboia. E a rotatividade alta alimenta essa distância salarial. De acordo com a análise de Saboia sobre o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, que mostra a mão-de-obra com carteira assinada, quem conseguiu um emprego na indústria no ano passado está recebendo 15% menos de quem foi demitido:

¿ A rotatividade no Brasil é bem alta para os padrões internacionais, o que, sabidamente, serve para achatar salários.

Pelo estudo de Saboia, a perda é maior entre os que trabalham no setor de energia elétrica (-21,2%) e menor na extrativa mineral (-10,5%).

Mesmo com as distorções no mercado, o economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas (FGV), comemora o caminho percorrido para reduzir a desigualdade. Ele acredita que a oferta maior de trabalhadores com nível superior e médio foi um dos causadores da perda salarial nessa faixa de escolaridade. Entre 2001 e 2003, comenta Neri, a população universitária cresceu 30%:

¿ Uma notícia boa é que a desigualdade diminuiu. A distância de rendimento entre os analfabetos e os que concluíram uma faculdade é de sete vezes. Em 97, era de 18. Ou seja, o graduado ganhava na época 18 vezes o salário de um analfabeto. Mas a oferta maior de mão-de-obra mais escolarizada acaba refletindo no rendimento desse grupo.

Em junho, o contingente de trabalhadores com nível superior representava 14,6% dos 19,8 milhões de ocupados nas seis regiões, somando 2,895 milhões. Em 1976, lembra Neri, esse pessoal era só 0,3% da mão-de-obra.

Se o mercado de trabalho estivesse aquecido, a recuperação seria menor para esse grupo, mas chegaria a toda a população trabalhadora. Anos de pouco crescimento também se refletem nesses números apresentados pelo IBGE. Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese, afirma que as negociações coletivas acabam privilegiando as faixas salariais mais baixas:

¿ Além disso, há remuneração não-financeira, como cestas básicas e tíquetes, que são reajustados, sem mexer no salário.

Pela Pesquisa de Emprego e Desemprego do Dieese, a experiência contou na contratação em junho. Com a produção da indústria aumentando, são necessários supervisores mais experientes:

¿ São pessoas com 40 anos e escolaridade média e conhecimento do processo de produção.