Título: IMAGENS CRUCIAIS DE JEAN CHARLES
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 25/08/2005, O Mundo, p. 33

Comissão independente contradiz Scotland Yard e diz ter vídeo gravado em estação de metrô

AComissão Independente de Reclamações sobre a Polícia (IPCC) voltou a entrar em rota de colisão com a Scotland Yard ao anunciar ter coletado o que classificou como ¿imagens cruciais¿ das câmeras de segurança da estação do metrô de Stockwell em 22 de julho, dia em que o brasileiro Jean Charles de Menezes foi morto com sete tiros na cabeça ao ser confundido com um suspeito de terrorismo. Embora tenha se recusado a entrar em detalhes sobre o teor das imagens, o presidente da comissão, Nick Hardwick, disse estar confiante de que a investigação independente do caso obteve todo o material de vídeo disponível.

As imagens do sistema de segurança da estação se transformaram na mais recente polêmica sobre as circunstâncias da morte do eletricista mineiro depois de o canal de notícias ITV ter obtido, na segunda-feira, um documento em que a polícia afirmava que as câmeras da plataforma e do trem da linha Northern em que Jean Charles foi interceptado não estariam funcionando naquela manhã de sexta-feira. Porém, funcionários do metrô contestaram essa versão em depoimentos à mídia britânica, alegando não terem registros de falhas no equipamento.

¿ Tive acesso às imagens e algumas delas são de imensa ajuda para as investigações. Parte do material não poderá ser mostrada à família da vítima por questões de segurança nacional, mas os parentes deverão ser os primeiros a ter acesso ¿ acrescentou Hardwick.

Nos últimos dez anos, 14 pessoas foram mortas pela polícia. Em 11 casos, a ação foi considerada justificada ou os acusados escaparam sem maiores problemas. Por isso, a IPCC enfrenta um grande desafio com o caso do brasileiro.

Missão brasileira não teve acesso a vídeo

O presidente da IPCC falou a jornalistas na saída do encontro com a missão do governo brasileiro que está em Londres para acompanhar a investigação. Não deu detalhes sobre as imagens, mas pouco depois o diplomata Manoel Gomes Pereira, diretor do Departamento de Comunidades Brasileiras do Itamaraty, disse ter sido informado por Hardwick de que faltam trechos da caminhada do eletricista mineiro pela estação:

¿ Fomos informados pelo presidente da IPCC que não seria surpresa se algumas câmeras do metrô não estivessem funcionando. A comissão tem algum material, mas não tudo ¿ explicou Pereira, ressaltando que a missão brasileira não teve acesso às imagens.

Se na terça-feira a missão adotou um tom conciliador, Pereira ontem foi mais incisivo ao comentar as expectativas do governo brasileiro e disse esperar que surjam culpados:

¿ É como cena de livros da Agatha Christie. Temos um morto e vários tiros. Alguém deve ser considerado responsável. Quem, é uma questão para os responsáveis pela investigação.

Pereira disse ainda que Hardwick não mencionou o envolvimento de agentes de elite das forças armadas na desastrada operação de 22 de julho, hipótese que ontem foi novamente abordada pelo ¿Times¿. Citando fontes policiais, o jornal disse que pelo menos seis soldados da Unidade Especial de Reconhecimento, famosa pelas ações antiterrorismo, participaram dos eventos de Stockwell e estariam usando rádios numa freqüência diferente da usada pela Scotland Yard.

Segundo o ¿Times¿, os soldados estavam armados, mas para proteção pessoal, e tinham ordens para deixar prisões e interceptações a cargo da Scotland Yard. Porém, segundo detetives da polícia, a Unidade Especial de Reconhecimento cometeu o primeiro grande erro da operação: a falha na identificação de Jean Charles na saída do prédio onde aparentemente moravam dois suspeitos dos atentados frustrados de 21 de julho. Fontes do Exército alegaram que a Scotland Yard também falhou no reconhecimento.

Ontem, a missão brasileira, que conta com o subprocurador-geral da República, Wagner Gonçalves, além de Márcio Garcia, diretor do Departamento de Cooperação Internacional do Ministério da Justiça, encontrou-se com a advogada da família de Jean Charles, Gareth Peirce.