Título: O dilema nas entrelinhas
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 26/08/2005, O País, p. 2

Muito elogiado pelos empresários e muito criticado pela oposição, o discurso de ontem do presidente Lula foi de fato o mais incisivo, o que passou o sinal mais vivo de sua consciência da crise. A carga dramática, a promessa de não repetir Getúlio, Jânio ou Jango, alcançou eco imediato, mas nas entrelinhas transpareceu o dilema de disputar ou não a reeleição.

Se a decisão, que vem sendo discutida com muita reserva, for a de não concorrer, ela não terá a forma de uma capitulação mas a roupagem de uma reforma: Lula enviaria então ao Congresso uma proposta de emenda constitucional acabando com a reeleição e fixando o mandato dos futuros presidentes (nada de prorrogação) em cinco ou seis anos.

O que a oposição repeliu com irritação foi a promessa de Lula de pautar-se na crise com a paciência de Juscelino Kubitschek. Todos querem ser um novo JK, em todos os aspectos. Quando FH o apontava como seu paradigma, era o PT que apontava a impropriedade, pela ausência de desenvolvimentismo na era tucana. Ontem tucanos como o líder Arthur Virgílio apontavam a impropriedade de Lula, lembrando que as crises enfrentadas por JK foram de outra natureza. Eleito, ele enfrentou a tentativa de golpe de 11 de novembro, abortada pelo general Lott. Lacerda, líder da UDN, alegava não ter Juscelino alcançado a maioria absoluta de votos, que não era uma exigência. Já presidente, enfrentou as revoltas militares de Aragarças e Jacareacanga. Generoso, anistiou os rebeldes. Mas teve também paciência com uma oposição raivosa, que o acusava de corrupto e chegava a chamá-lo, por Lacerda, de presidente cafajeste. Seria mais certeira a oposição se cobrasse de Lula a afirmação de que não aceita as tentativas de envolver o governo na crise, como se o governo e o PT fossem seres distintos. Tanto não são, aos olhos da população, que está aí a pesquisa Ibope apontando queda acentuada na aprovação do governo e na confiança no presidente. Este quadro reforça o dilema que aparece nas entrelinhas do discurso.

Anteontem, Lula já admitira aos presidentes dos outros poderes que poderá não concorrer. Ontem, fez várias referências ao calendário eleitoral, sempre afirmando que ainda não é candidato. "Minha prioridade nunca foi a reeleição mas a governança deste país". Mais adiante: "Aliás, ousei dizer um dia que era contra a reeleição, votei contra a reeleição na Constituinte de 1988 e não fui eu quem propôs que tivesse reeleição no Brasil. O que eu não posso aceitar é que, a pretexto da eleição de 2006, pessoas ajam de forma irresponsável...". Repetiu ainda que não mudará a política econômica por razões eleitorais. Depois mencionou a exigência de que não seja candidato como saída para a crise (lançada em primeiro lugar por FH) e as constantes ameaças do PFL de sangrá-lo até que não tenha condições de disputar. Dito isso, avisou que não aceitará imposições. "Não decidi se serei candidato ou não, nem vou decidir agora porque acho que não é o momento". E ainda outra: "Não é uma eleição que faz minha cabeça". Seria sim, a certeza de chegar a 31 de dezembro de 2006 com resultados que garantam um bom julgamento de seu governo.

São lampejos que se casam com as informações regradas que vêm de seu círculo. Se houver a resistência, Lula proporá não apenas o mandato maior e o fim da reeleição mas uma reforma política mais ousada que a discutida no Congresso. Outros tentam convencê-lo da conveniência de uma Constituinte exclusiva, nos termos da emenda Miro Teixeira, para revisar o sistema político e tributário e o pacto federativo. Cartas que estão na mesa.

Batendo cabeça e perdendo tempo

As CPIs estão batendo cabeça. Agora todas querem investigar os fundos de pensão e ouvir o doleiro Barcelona. A dos Correios e a do Mensalão aprovaram simultaneamente a convocação do empresário Daniel Dantas. Pelo número de convocados ontem, os aficionados podem comprar mais pipocas para assistir às transmissões. Mas quanto mais abrem o foco, mais distantes ficam as CPIs de chegar aos resultados.

A dos Correios vai investigar as aplicações de dez fundos de pensão nos bancos Rural e BMG. "Os fundos eram utilizados para esquentar o dinheiro de Valério", diz, convicto, o deputado Eduardo Paes. Mas o exame das aplicações dos fundos pode resultar numa das maiores frustrações da CPI. Diz-se no mercado financeiro que dificilmente serão encontradas aplicações com rentabilidade menor que a oferecida pelos grandes bancos. Portadores de maior risco, bancos médios como eles oferecem rendimento maior. Pelo menos os grandes fundos - Previ (que aplica a maior oferta por pregão), Petros e Funcef estão se preparando para desmontar a suspeita. Petros informou à CPI do Mensalão que suas aplicações no Rural e no BMG, realizadas por gestores terceirizados, alcançaram rendimentos de 18,6% e 18,1% respectivamente, considerados muito satisfatórios. O Funcef nem tem aplicações nos dois bancos.

O senador Álvaro Dias acha que se perderá tempo mas que era inevitável. Pessoalmente está mais empenhado em averiguar a tentativa de Valério de mediar a transferência do espólio do Banco Mercantil ao Rural, que lhe renderia muitas vezes o que pôs à disposição do PT. Seria um crime perfeito se não tivesse dado tudo errado.

O SENADOR Agripino Maia perguntou a Rogério Buratti sobre um encontro na terça-feira, em que teria combinado com o chefe de gabinete de Palocci, Juscelino Dourado, os termos de seu depoimento de ontem, em que preservou o ministro. Convenceu o mercado, que reagiu muito bem, ainda que a oposição ainda cogite convocar Palocci. Deste encontro, segundo o senador, teriam participado duas mulheres muito faladas. Jeany Mary Corner, a agenciadora de meninas da noite, e Carla, uma delas por quem Buratti se apaixonou.