Título: NEGOCIAÇÃO COM A GTECH JÁ DURANTE A CAMPANHA DE 2002
Autor: Regina Alvarez/Rodrigo Rangel/Allan Gripp
Fonte: O Globo, 26/08/2005, O País, p. 8

Buratti diz que grupo ligado a Dirceu tratou de renovação com a Caixa antes da eleição

BRASÍLIA. No depoimento à CPI dos Bingos, Rogério Buratti disse ter informações de que o grupo do Rio, ligado ao ex-ministro José Dirceu, estava negociando um acordo com a empresa GTech ainda no período eleitoral para a renovação do contrato de R$ 650 milhões com a Caixa. Pela versão, a empresa tentou contato com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, quando estava em negociações avançadas com o grupo de Dirceu porque sabia da disputa de poder no governo.

Waldomiro Diniz, ex-assessor de Dirceu na Casa Civil, foi exonerado depois que surgiram gravações em que achacava o empresário de jogos Carlinhos Cachoeira. Buratti confirmou que foi procurado pelo diretor de marketing da GTech, Marcelo Rovai, interessado em sua suposta influência junto a Palocci para facilitar a renovação do contrato. Segundo ele, Rovai ofereceu entre R$500 mil e R$16 milhões pela renovação do contrato, dependendo do prazo e do desconto concedido à empresa. O dinheiro seria para o PT. O advogado disse à CPI que levou a proposta a Palocci, mas o ministro recusou e determinou rigor na renovação.

- Recebi a oferta, transmiti e ouvi a negativa - disse.

Segundo ele, Palocci teria se negado a interferir e mandado avisar que o contrato deveria ser discutido com a Caixa. A abordagem da GTech a Buratti foi feita numa data próxima à renovação do contrato, o que na avaliação do advogado reforça sua convicção de que havia outra negociação em curso, que acabou sendo concluída. Segundo ele, a Caixa não tinha participação na negociação com o grupo do Rio.

- Houve um certo jogo de cena. Eles (empresários da GTech) sinalizaram com uma oferta para o lado de lá para ver se o lado de lá ia - disse Buratti, referindo-se à proposta feita pela GTech a Palocci.

Buratti sugeriu que a propina teria sido paga através da empresa MM Consultoria, que teria recebido depósitos de R$5 milhões da GTech.

- Tenho a impressão de que aquele tenha sido o caminho - disse Buratti, referindo-se à MM.

A informação contradiz a versão da GTech, que acusa Buratti de ter procurado a empresa para cobrar propina. O advogado disse que a empresa primeiro procurou Ralf Barquete, então assessor da Caixa e ex-assessor de Palocci na prefeitura, falecido no ano passado.

À CPI, Buratti também confirmou a denúncia feita semana passada ao Ministério Público em Ribeirão Preto de que empresários de jogos ajudaram a financiar a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. Segundo ele, em São Paulo a contribuição de R$1 milhão foi arrecadada por Ralf Barquete e repassada ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.

Buratti também disse ter ouvido de Barquete que o grupo do Rio engordou o caixa do PT em "R$1 milhão ou mais", que teria sido recolhido por Waldomiro Diniz. Segundo Buratti, como parte do acordo eleitoral, o governo teria assumido três compromissos com empresários: legalizar os jogos eletrônicos, ceder ao grupo cargos na Caixa e permitir a interferência da GTech em negócios da estatal.

Durante o depoimento, Buratti admitiu que esteve em 2004 no Panamá, mas negou ter aberto contas fora do Brasil. Segundo dados do sigilo telefônico do advogado, ele fez ligações para aquele país. Os senadores requisitaram a lista das pessoas que enviaram dinheiro para o exterior, através das contas CC5, descobertas na CPI do Banestado.

A CPI aprovou ontem a convocação da viúva de Barquete, que estaria interessada em falar sobre o envolvimento dele com os episódios.

Parlamentares governistas tentaram desqualificar na CPI dos Bingos o depoimento de Rogério Buratti ao Ministério Público de São Paulo. Logo no início do depoimento de Buratti, os senadores Tião Viana (PT-AC) e Flávio Arns (PT-PR) tentaram impedir que o promotor Aroldo Costa Filho, um dos que ouviram o advogado em Ribeirão Preto, permanecesse na sala da CPI. Alegaram que a presença do promotor causaria constrangimento ao depoente.

- Entendo que houve coação em Ribeirão Preto. Foi uma atitude antiética no Ministério Público de São Paulo - disse Viana, referindo-se à divulgação do depoimento pelos promotores.

O promotor Costa Filho fora convidado a assistir ao depoimento pelo próprio relator da CPI, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN, e diante da reação dos governistas acabou salvo pela oposição, que defendeu a sua permanência na sala da CPI.

Legenda da foto: WALDOMIRO COM Carlinhos Cachoeira: Buratti disse ter sido procurado pela GTech