Título: Buratti reafirma que Palocci sabia de propina
Autor: Regina Alvarez/Rodrigo Rangel/Allan Gripp
Fonte: O Globo, 26/08/2005, O País, p. 8

'Nenhuma empresa faz uma contribuição, pequena ou grande, sem que o patrão saiba', diz o ex-secretário do petista

BRASÍLIA. O advogado Rogério Buratti confirmou ontem à CPI dos Bingos, no Senado, as denúncias de corrupção contra o hoje ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Buratti admitiu, no entanto, que não tem provas do envolvimento do ministro e referiu-se a ele com deferência. Apesar do cuidado, reafirmou que Palocci sabia do esquema de pagamento de propina mensal de empresas à prefeitura de Ribeirão Preto na segunda gestão do atual ministro como prefeito, em 2001 e 2002.

- Nenhuma empresa faz uma contribuição, pequena ou grande, sem que o patrão (o prefeito) saiba. Então, acredito que ele soubesse, sim. Nunca o vi participar de reunião, mas acredito que soubesse - afirmou Buratti, que ratificou o depoimento prestado semana passada ao Ministério Público em Ribeirão Preto.

- Apesar de eu nunca ter visto, ele (Palocci) era entendido na empresa (Leão Leão) como uma pessoa que sabia - disse o advogado mais tarde.

Segundo Buratti, sua única indicação do envolvimento do ministro era o amigo e secretário de Fazenda de Ribeirão Preto à época, Ralf Barquete Santos, que morreu ano passado. O próprio Ralf, diz ele, contou ser o responsável por receber a propina e repassá-la ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.

- É muito difícil falar de uma coisa da qual você tem informações e não tem provas, porque a única prova é uma pessoa morta - disse ele.

O advogado admitiu participar de acareação com Palocci. E reclamou de ter sido abandonado pelo PT e pelo ministro:

- Nunca esperei ser tratado como bandido.

Notas frias para a propina

Buratti, que foi secretário de governo da primeira gestão de Palocci em Ribeirão Preto, reafirmou que a empresa Leão Leão, da qual foi vice-presidente, pagava R$50 mil à prefeitura para manter contratos de coleta de lixo. Os pagamentos, segundo ele, eram lançados nos balanços com notas de prestação de serviço ou notas frias compradas e muitas vezes fornecidas pelos próprios prefeitos que recebiam a propina.

- Existiam notas que alguns prefeitos forneciam e que eram usadas como pagamento de serviços e havia também compra de notas no mercado - disse. - Essa acaba sendo a regra do jogo. Os agentes municipais impunham essas contribuições.

Buratti também é investigado por usar sua suposta influência com Palocci para intermediar negócios de empresas com o governo federal. Segundo dados da quebra do sigilo fiscal em poder da CPI, em 2003 e 2004 ele ligou pelo menos nove vezes para a casa do ministro. Telefonou outras 20 vezes para o gabinete do ministério e 12 para o celular do assessor especial de Palocci Ademirson Ariovaldo.

Nesse período, Buratti também esteve nove vezes no prédio do ministério, visitas que, segundo ele, foram de cortesia. O advogado chegou a admitir que atuou como lobista para uma empresa ligada à Leão Leão. Ele disse que pediu que o ministro recebesse os representantes da empresa. Mas, em outro trecho do depoimento, afirmou que nunca intermediou esses encontros:

- Nunca acompanhei, nem pedi, porque as empresas (de Ribeirão Preto) tinham acesso normal a Palocci, como eu.

Buratti disse ainda que, além de Palocci, outros prefeitos no interior de São Paulo sabiam do pagamento de propinas mensais por empresas de coleta de lixo. Citou, além de Ribeirão Preto, Matão, Monte Alto e Sertãozinho, que eram governadas pelo PMDB e PSDB.

- Admito que os prefeitos todos sabiam. Mesmo que eu não tivesse presenciado nenhum momento em que eles se envolveram com isso - disse.

Para o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), Buratti confirmou todas as denúncias, apesar de ter feito um "acordo de cavalheiros" com Palocci:

- Ambos estão se respeitando em só dizer a metade da verdade. É um acordo de cavalheiros bem feito. Isso ficou muito civilizado. Vossa Excelência disse o que quis e Palocci fez a defesa que podia.

Buratti disse que depois que a Leão Leão ganhou experiência no ramo de coleta de lixo na região de Ribeirão Preto tentou prestar serviço à prefeitura de São Paulo, mas não conseguiu.

- Em São Paulo era muito difícil, em todos os governos. Lá, a informação de mercado era de que não havia pagamento mensal (por parte das empresas que venciam licitação), mas sim um compromisso tácito de que nos processos eleitorais deveriam colaborar efetivamente.

O Palácio do Planalto recebeu com alívio do depoimento de Buratti. Segundo um ministro petista, o melhor sinal de que o advogado não comprometeu Palocci foi a reação positiva da Bolsa, que subiu 2,58%. No início da noite, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva procurou saber como tinha sido o depoimento e ficou convencido de que a situação do ministro permanece inalterada.

Palocci se mantém firme

Na avaliação de um assessor, Palocci permanece forte no governo e quem apostou na sua saída, perdeu. A única possibilidade de o quadro mudar, acrescentou esse assessor, seria o surgimento de uma prova concreta contra ele. Antes do depoimento, integrantes do governo estavam preocupados com eventuais acusações de Buratti. O próprio Lula externou sua expectativa.

O grupo Leão Leão divulgou nota negando que pague propinas a prefeitos de cidades nas quais explora o serviço de limpeza urbana e também realiza outras obras públicas. A nota foi uma reação ao depoimento de Buratti. "O grupo esclarece que sempre agiu dentro dos preceitos da ética, que ajudaram a companhia a se tornar um dos grupos mais importantes do estado, nas áreas em que atua", afirma a nota.

"Nenhuma empresa faz contribuição, pequena ou grande, sem que o patrão saiba. Então, acredito que ele (Palocci) soubesse, sim. Nunca o vi participar de reunião, mas acredito que ele soubesse"

"(A propina) saía do caixa da empresa (Leão & Leão). Infelizmente, essa acaba sendo a regra do jogo (...) A regra do jogo, na maior parte das vezes, quem define não é a empresa. A empresa joga o jogo"

"(Palocci) é íntegro e muito correto. Seria incapaz de solicitar qualquer recurso para si. Acho que era para o partido"

"Nunca fui operador do PT. Construí meu patrimônio na atividade particular"

"É muito difícil você falar de uma coisa, da qual você tem informações e não tem provas, porque a única prova é uma pessoa morta"

"Pessoas do PT e de fora do PT não tiveram uma atitude verdadeira"

ROGÉRIO BURATTI

Ex-assessor do ministro Antonio Palocci

Legenda da foto: O ADVOGADO ROGÉRIO Buratti: "Apesar de eu nunca ter visto, ele (Palocci) era entendido na empresa (Leão Leão) como uma pessoa que sabia"