Título: FRAUDADORES DA SAÚDE NA CADEIA
Autor: Alba Valéria Mendonça/Laura Antunes/Dimmi Amora/Fá
Fonte: O Globo, 26/08/2005, Rio, p. 15

PF prende 11 pessoas acusadas de golpes em licitações de laboratórios e hospitais

Uma investigação do Ministério Público federal e da Polícia Federal levou ontem à prisão 11 pessoas acusadas de integrar duas quadrilhas que, há anos, vinham fraudando licitações para a compra de insumos usados na fabricação de remédios (principalmente do coquetel anti-Aids) e para a prestação de serviços de lavanderia a hospitais do Rio. Foram presos nove empresários e lobistas no Rio, um empresário indiano em São Paulo e um ex-prefeito de Goiânia. Cerca de 90 agentes federais cumpriram 18 mandados de busca e apreensão. Um suspeito continua foragido. A operação, batizada de Roupa Suja, é um desdobramento da Operação Vampiro, que investiga fraudes no esquema de distribuição de hemoderivados.

Numa das empresas que fariam parte do esquema, a Brasvit, a PF encontrou cerca de

R$200 mil e US$40 mil. Havia também uma pequena quantidade de pedras, que a PF não soube informar se são preciosas.

Foram fraudadas concorrências para a venda de insumos para laboratórios estaduais de Rio, São Paulo, Pernambuco e Goiás. O outro alvo dos fraudadores foram licitações para serviços de lavandeira em hospitais municipais, estaduais e federais do Rio.

Contas e empresas em paraísos fiscais

Segundo a PF, os empresários formavam um cartel para combinar valores a serem cobrados e acertar quem seria o vencedor das licitações superfaturadas. No caso dos insumos, há licitações de produtos com preços até 700% acima do valor de mercado. A fraude contava com a participação servidores.

O prejuízo aos cofres públicos ainda não foi calculado, mas procuradores federais estimam que seja de milhões de reais. De acordo com o MP, as quadrilhas mantinham contas e empresas em paraísos fiscais. Os procuradores já entraram em contato com autoridades desses países para rastrear as contas e tentar repatriar o dinheiro enviado ilicitamente.

Os envolvidos ficarão detidos por cinco dias. O MP terá dez dias para oferecer denúncia e todos poderão ser indiciados por formação de quadrilha, fraude em licitação, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e corrupção. Se forem condenados, podem ser punidos com até 18 anos de prisão.

Acusados de participar do esquema para a prestação de serviço de lavanderia nos hospitais da Lagoa, do Andaraí e no Instituto de Traumato-Ortopedia (Into), foram presos Altineu Pires Coutinho, dono da empresa Brasil Sul, e seu filho Marcelo Cortes Freitas Coutinho. Altineu é apontado como principal responsável pelo esquema.

- Além de ser dono da Brasil Sul, Altineu é sócio do empresário Vittorio Tedeschi, proprietário da Brasvit e da Hallen Elliot, envolvidas no cartel para a venda de insumos - disse o delegado David Salem, chefe do Setor de Investigação da PF.

Os procuradores da República Carlos Alberto Aguiar e José Augusto Vagos disseram que as investigações começaram em 2002, quando surgiram indícios de fraudes em licitações do Into.

- Eles loteavam os hospitais. Como já estava decidido quem venceria, as demais empresas só entravam na licitação para garantir a legalidade do pregão - afirmou Aguiar.

São acusados também de fazer parte do esquema de fraudes em serviços de lavanderia o empresário Altivo Gold Bittencourt Freitas, sócio da Brasil Sul; o presidente do Sindicato das Empresas de Lavanderia, Gilberto da Silveira Corrêa; e os lobistas Antônio Augusto Menezes Teixeira e José Pereira Vilela. Foram presos ainda, no Rio, Vittorio Tedeschi, Flávio Garcia da Silva e o sócio Francisco Sampaio Vieira de Faria.

Em São Paulo, a PF prendeu o indiano Premanandam Modapohala, dono das empresas AB Farmoquímica e Aurobindo. Em Góias, foi detido Darci Accorsi, ex-prefeito de Goiânia, diretor da Iquego (Indústrias Químicas do Estado de Goiás). A polícia e os procuradores acreditam que Vittorio queria dominar o mercado de insumos para remédios contra a Aids, por meio de fraudes nas licitações.

Segundo a PF, Altineu e Vittorio se valeram do esquema do Banestado para fazer remessas ilegais de dinheiro para paraísos fiscais. As secretarias municipal e estadual de Saúde e o Tribunal de Contas do Estado pediram à PF informações sobre as investigações.

OUTROS CASOS DE IRREGULARIDADES

Não é a primeira vez que fraudadores atuam na área da saúde pública. Um dos casos de maior repercussão veio à tona em maio do ano passado, quando a Polícia Federal realizou a Operação Vampiro, desbaratando uma quadrilha composta por servidores, empresários e lobistas acusados de fraudar licitações para a compra de derivados de sangue e insulina pelo Ministério da Saúde. Durante a operação, a PF deteve 17 pessoas suspeitas de fazerem parte do grupo, que ficou conhecido como a Máfia do Sangue.

Foram denunciados por formação de quadrilha, corrupção e lavagem de dinheiro, entre outros crimes, 20 lobistas, empresários e funcionários públicos. A máfia foi acusada de desviar cerca de R$390 milhões em licitações do Ministério da Saúde entre 1998 e 2001. O valor corresponde a cerca de 40% dos gastos do governo federal na compra de hemoderivados no período.

Outro caso ocorreu no Instituto de Traumato-Ortopedia (Into), no Rio, onde foi montado um esquema de fraudes milionárias. As investigações começaram em fevereiro de 2003, cinco meses após o novo diretor, Sérgio Côrtes, ter assumido o cargo. Por causa de sua atuação, Côrtes sofreu 15 ameaças de morte e até um atentado. Em dezembro de 2004, o Ministério da Saúde anunciou o resultado da auditoria feita no Into. Foram analisados três mil processos de licitação de 1995 a 2002 e o valor dos desvios ultrapassava os

R$100 milhões. Seis funcionários foram exonerados, um suspenso por 90 dias e outro teve a aposentadoria cassada.

Filho de acusado pede exoneração a Rosinha

Secretário da Infância foi sócio do pai em firma envolvida em fraude

O secretário estadual da Infância e da Juventude, Altineu Côrtes, filho do empresário Altineu Pires Coutinho, pediu demissão ontem de manhã, por telefone, à governadora Rosinha Garotinho. Altineu explicou à governadora que achou mais confortável deixar a secretaria, apesar de afirmar que não tem qualquer participação nos negócios do pai. Ele já foi sócio, pelo menos até 2002, da Brasil Sul, uma das empresas que foram alvo da operação de ontem.

Não é a primeira vez que Altineu Pires Coutinho é investigado pela polícia. Em 1992, ele prestou depoimento na Polícia Federal do Rio, ao delegado Paulo Lacerda (hoje diretor da corporação), que o investigava por vender equipamentos médicos superfaturados para a Central de Medicamentos (Ceme), do Ministério da Saúde. O escândalo envolvia o tesoureiro do então presidente Fernando Collor, Paulo Cesar Farias. O empresário chegou a ter a prisão decretada.

O empresário sempre teve ligações com a política. Ele é irmão do ex-deputado federal José Carlos Coutinho. Em 1998, um grupo de apenas oito famílias controlava a maioria dos contratos da saúde no estado, entre elas a de Altineu.

Pai e filho também estavam ligados à Engesul Construções e Projetos e à Hallen Elliot do Brasil, que fornecia vacinas à Fundação Nacional de Saúde (FNS). Em 1999, a Hallen foi acusada de tentar barrar a compra de medicamentos mais baratos, que dariam uma economia de US$150 milhões ao estado. Em 2002, as empresas de Altineu voltaram a ser investigadas, dessa vez pelo Ministério Público de Niterói por suspeita de fraudes na prefeitura de São Gonçalo.

COLABORARAM: Dimmi Amora, Laura Antunes e Maiá Menezes