Título: MÃE DE SOLDADO ENFRENTA BUSH
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 26/08/2005, O Mundo, p. 30

Cindy Sheehan volta a Crawford para liderar movimento contra a guerra no Iraque

Mãe tem poder. Cindy Sheehan, mãe de um soldado americano morto no Iraque, reacendeu o movimento contra a guerra em todos os Estados Unidos, obrigou o presidente George W. Bush a abandonar sua casa de campo no Texas e a interromper as férias para tentar conter o crescimento da oposição à presença americana no Iraque.

No início do calorento agosto, Cindy armou sua solitária barraca de protesto contra a guerra a poucos metros do rancho de Bush, em Crawford, pressionando por uma audiência com o presidente para fazer algumas perguntas. Menos de uma semana depois, o lugar tinha virado o Acampamento Casey, em homenagem a Casey Sheehan, o filho de 24 anos de Cindy, que se alistou no Exército antes do 11 de Setembro e em abril de 2004 estava morto.

Outros pais e mães que perderam os filhos na guerra, pacifistas, veteranos e celebridades foram protestar junto com Cindy em Crawford, enquanto um renovado movimento pela paz se espalhava pelas cidades americanas. Os e-mails voltaram a bombardear os computadores, convocando para vigílias em solidariedade a Cindy e contra a guerra. Por todos os EUA, 1.500 protestos à luz de velas aconteceram numa única noite, acampamentos foram montados em praças, faixas de protesto apareceram nas janelas. Um grande comício está marcado para amanhã, em Nova York, onde 11 vigílias acontecem todas as noites. Joan Baez, a veterana musa dos protestos da década de 70, fez um concerto domingo em Crawford, tornando tudo ainda mais parecido com o movimento organizado há três décadas pelas famílias dos soldados que acabou ganhando a opinião pública americana contra a Guerra do Vietnã.

- Simplesmente não posso agüentar todos esses jovens sendo mortos - disse Ruth McKinney, uma enfermeira de um hospital de veteranos en Dallas, contando que está contribuindo para o MoveOn.org, o movimento que está apoiando Cindy.

Nunca a oposição à guerra foi tão grande e a popularidade de Bush tão baixa. As pesquisas constatam que 60% dos americanos estão contra a intervenção americana no Iraque, duvidam que os Estados Unidos ganhem a guerra e acreditam que Bush iludiu deliberadamente o povo sobre as armas de destruição em massa do ditador Saddam Hussein, jamais encontradas.

"O presidente Bush levou longo tempo para interromper suas férias de verão e tomar conhecimento da dor que as famílias dos soldados que tombaram no Iraque estão sentido e do número de mortes que não pára de subir", reclamou o jornal "The New York Times", em editorial quarta-feira. Em artigos e cartas de leitores, a mesma crítica ecoava: pode um presidente tirar férias enquanto os americanos continuam morrendo no Iraque?

Bush foi obrigado a sair de Crawford e durante três dias fez discursos reafirmando a política externa, anunciando o aumento das tropas no Iraque e louvando as famílias que mandam seus filhos para lutar pela liberdade, opondo-as a Cindy e às mães engajadas em protestos. Depois de fazer uma ligação jamais comprovada entre o ataque ao World Trade Center e Saddam Hussein, e de acusar sem provar que o ditador mantinha um arsenal de armas de destruição em massa, Bush deu esta semana uma nova razão para manter os soldados no Iraque: o compromisso com os homens e mulheres que já morreram na guerra. Recebeu aplausos de aliados e uma saraivada de críticas.

Caravana da Califórnia vai apoiar presidente

"Quando Bush falou, num discurso para os veteranos de guerras no exterior, em Utah, ele disse exatamente a coisa errada. Ninguém quer jovens homens e mulheres morrendo porque outros já fizeram o último sacrifício", bateu o "New York Times".

Ontem, Cindy e Bush voltaram à Crawford. O presidente para as suas férias, depois de três dias de viagem por Ohio e Utah, discursando em defesa da guerra. Cindy emocionou-se ao ver como o acampamento crescera enquanto esteve fora. O presidente disse entender sua angústia, mas considera que ela não representa o ponto de vista de muitas famílias que encontrou. Muitos conservadores concordam e estão indo da Califórnia para Crawford em apoio a Bush.

Cindy e seus amigos pacifistas vão continuar a vigília até o fim das férias do presidente, dia 31. Depois, percorrerão o país de ônibus protestando contra a guerra até chegar a Washington, onde iniciarão nova vigília.

- Não estou sozinha. Tem gente que me apóia aqui e há milhares de famílias militares que querem receber respostas a perguntas iguais às minhas - disse Cindy. - Acho que está valendo a pena porque conseguimos que as pessoas começassem a falar de novo sobre o fim da guerra.

Legenda da foto: CINDY SHEEHAN põe os coturnos do filho Casey, morto no Iraque, num memorial no Acampamento Casey