Título: BRASILEIROS RELATAM DRAMA EM ACIDENTE NO PERU
Autor: Janaína Figueiredo/Marcos Xavier Vicente
Fonte: O Globo, 26/08/2005, O Mundo, p. 31

Paranaense receberá implante de pele de porco para proteger queimaduras. Erro humano pode ter causado acidente

BUENOS AIRES e CURITIBA. Terça-feira passada, o brasileiro Wagner Roberto Andolfato Souza, de 25 anos, partiu sozinho de Curitiba para conhecer os lugares mais bonitos da paisagem peruana. Seu principal objetivo era visitar as ruínas de Machu Picchu, mas nada foi como ele esperava. Seis horas após ter chegado ao Peru, Wagner viveu o momento mais difícil de sua vida, segundo afirmou ontem em entrevista ao GLOBO, por telefone, de Lima, onde está internado. Ele sobreviveu à queda do Boeing 737-200 da estatal peruana Tans que, faltando apenas cinco minutos para a aterrissagem no aeroporto da cidade de Pucallpa, fez um pouso de emergência, sob forte tempestade, na selva peruana.

Outro brasileiro, o técnico em destilaria Nivaldo Papetti, que trabalha para a cervejaria peruana San Juan, também sobreviveu ao acidente, escapando praticamente sem arranhão.

- Uns 20 minutos antes da queda sentimos uma turbulência muito forte. Percebi que estávamos caindo quando vi que o avião estava muito próximo das árvores. Minha sorte foi estar na última fila do avião. Se estivesse na parte da frente, não teria sobrevivido - contou Wagner, que sofreu queimaduras de primeiro e segundo graus nas mãos, braços, pescoço e rosto, e ontem sequer conseguia segurar o telefone, tendo que ser ajudado por uma voluntária.

Hoje, os médicos do Hospital Arzobispo Loayza submeterão Wagner a limpeza profunda das partes mais afetadas e farão um implante de pele de porco para auxiliar na recuperação de braços, pescoço e rosto. Segundo ele contou, "a idéia é fazer um curativo para proteger de eventuais infecções". Ontem, o brasileiro teve de ser sedado devido às fortes dores. Hoje, chegará a Lima um amigo que o acompanhará na viagem de volta ao Brasil, possivelmente amanhã.

De acordo com dados oficiais, 41 pessoas morreram no acidente aéreo e 58 conseguiram sobreviver.

Nivaldo: "Como se o avião tivesse na mão do vento"

Wagner foi um dos primeiros sobreviventes a chegar ao ponto de socorro mais próximo ao local da tragédia, junto com uma peruana e uma italiana.

- Quando o avião parou de se arrastar na selva, eu me levantei para buscar a saída de emergência. Mas houve uma explosão e uma bola de fogo me atingiu. Cobri o rosto com os braços e as mãos e foi nesse momento que me queimei. Depois consegui sair do avião e encontrei outras 20 pessoas que estavam muito assustadas, algumas choravam, ninguém sabia o que fazer - lembrou Wagner, que é técnico em eletrônica.

O brasileiro caminhou cerca de um quilômetro até encontrar uma casa onde foi socorrido.

- Cheguei a uma fazenda e um senhor que estava lá chamou uma mototaxi (meio de transporte muito popular no Peru), que me levou ao pronto-socorro onde me deram um calmante. Uma hora depois, um carro da Defesa Civil levou vários sobreviventes ao hospital de Pucallpa. Fui um dos primeiros a chegar - disse Wagner que, com outros passageiros, foi levado para a capital peruana num avião da Força Aérea.

O brasileiro espera retornar amanhã a Curitiba e garante que não teme viajar de avião.

- Não terei quase nenhuma seqüela física e estou fazendo o possível para não ter seqüelas psicológicas - comentou.

Ainda em Pucallpa, Nivaldo, que resgatou uma das aeromoças, comentou em entrevista ao Jornal Hoje, da Rede Globo:

- A gente estava tranqüilo no avião, que já baixava, em procedimento de descida, e o piloto pediu para colocar o cinto e permanecer sentado, porque iríamos passar por área de turbulência. Já viajei muito, mas nunca vi uma turbulência igual a essa. Jogava o avião para cima, para baixo, para o lado, como se ele estivesse na mão do vento.

Em São José dos Pinhais, no Paraná, o pai de Wagner, Waldemar André de Souza, soube do acidente por volta das 7h de terça-feira, quando o filho ligou do hospital de Pucallpa. Evangélica, a família vai realizar um culto de agradecimento assim que Wagner chegar ao Brasil.

Para especialistas peruanos, a tempestade, um erro do piloto e o atraso tecnológico na região teriam causado o acidente. Eles estranharam a aparente tentativa de pouso de emergência a poucos quilômetros do aeroporto e sob forte chuva. As equipes de resgate ainda procuram a caixa preta que poderá esclarecer a causa do desastre.

Relatos comovem peruanos

Em meio à busca a passageiros desaparecidos e ao drama das famílias dos mortos, as histórias dos sobreviventes comoveram os peruanos. Muitos se salvaram ajudando uns aos outros a escapar do avião em chamas, num pântano infestado de cobras.

MENINA-HEROÍNA

Internada no Hospital del Niño, em Lima, a menina Romina Marapara, de 9 anos, não conseguia abrir os olhos inchados, mas sua foto ganhou a primeira página dos jornais peruanos, que a chamaram de heroína. Mesmo com o rosto queimado, ela conseguiu salvar o primo Juan Carlos Valles, de um ano e meio, carregando-o nos braços após o acidente aéreo.

LUA-DE-MEL INTERROMPIDA

A americana Monica Glenn e o peruano William Zea iam para Iquitos passar a lua-de-mel quando o avião caiu perto de Pucallpa. Ela contou que antes do impacto a aeronave se chocou com as árvores e depois o fogo explodiu na parte dianteira do Boeing. "Nós saímos pela porta de emergência esquerda e fomos para trás. Acho que a chuva nos ajudou porque estávamos queimados", disse Monica, ainda abalada, numa clínica da capital peruana. "Nós queríamos proteger um bebê, que foi salvo por um senhor. Ele nos pediu que fizéssemos um círculo para proteger o bebê da chuva, que estava muito forte. O bebê estava muito ferido", acrescentou.

FAMÍLIA INTEIRA ESCAPA

O bebê de aproximadamente 1 ano citado por Monica fora salvo por Gabriel Vivas, americano de origem peruana que escapou ileso, assim como sua mulher, seu irmão e as sobrinhas de 10, 12 e 15 anos. Vivas contou que quando ele e sua família saíram do avião, ficaram atolados até a cintura no pântano. Logo viu um bebê sozinho, atrás do avião. "Não sei como o bebê chegou ali." Com outro passageiro, ele fez um grande esforço para chegar até a criança, que sofrera queimaduras e tinha um braço quebrado. Em meio à chuva de granizo, conseguiram levar o bebê até uma parte mais alta, reunindo-se com outros sobreviventes. Ele não sabe se os pais do bebê sobreviveram.