Título: Guerra de egos ameaça CPIs
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Fonte: O Globo, 27/08/2005, O País, p. 3

Presidente do Senado vai se reunir com comissões para evitar que tudo acabe em pizza

BRASÍLIA e RIO

Num dia, o mesmo banqueiro é convocado por duas CPIs e um doleiro preso, por três. O sigilo de um acusado é quebrado por três comissões diferentes. A sobreposição das investigações feitas pelas CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos já preocupa integrantes das próprias comissões. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não escondeu ontem o temor de tudo acabar em pizza:

¿ Estou preocupado com essa guerra de egos e vaidades. Essa fogueira pode chamuscar as investigações e ninguém vai nos perdoar caso todas as denúncias de irregularidades não sejam devidamente esclarecidas e os culpados responsabilizados ¿ alertou o presidente do Senado.

Renan decidiu intervir para acabar com o que a disputa entre os integrantes das CPIs. Convocou para terça-feira uma reunião com presidentes e relatores das três comissões. Para evitar a possibilidade de o conflito comprometer o resultado das investigações, Renan pretende impedir a superposição de convocações, quebras de sigilo e depoimentos.

Renan fez alerta um mês atrás

Há um mês, Renan já havia feito esse alerta aos presidentes das três CPIs, os senadores Delcídio Amaral (PT-MS), Amir Lando (PMDB-RO) e Efraim Morais (PFL-PB). O senador disse que chegou a recomendar que as comissões dessem prioridade à análise de documentos e reduzissem o número de depoimentos. Também sugeriu que fosse feito o intercâmbio de informações, já que elas investigam casos correlatos, e audiências conjuntas. Mas os conselhos foram ignorados. Tanto que anteontem duas das três CPIs convocaram o banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity:

¿ Não tem sentido convocar a mesma pessoa para depor em três CPIs diferentes. O que não pode haver é superposição, é redundância, é preciso haver um intercâmbio de informações entre as comissões para que possamos esclarecer e punir. Acho que é preciso dar foco a cada investigação parlamentar de inquérito. Isso não tem acontecido na prática, o que pode prejudicar o resultado.

Ele não é o único preocupado com essa situação. Renan contou que foi procurado na quinta-feira por Delcídio e Lando, que também manifestaram angústia com o conflito entre comissões.

¿ A sociedade está esperando resultados. A única maneira de o Congresso Nacional recuperar o respeito e a credibilidade é pelo resultado, pela eficácia, pelo esclarecimento das investigações ¿ disse Renan.

A disputa deverá ser o tema também de uma reunião, segunda-feira, entre os representantes do PFL e do PSDB nas comissões. Para o líder do PFL, senador José Agripino (RN), é preciso limitar o campo de cada CPI.

A origem do dinheiro que abasteceu as contas de Marcos Valério, por exemplo, seria investigada pela CPI dos Correios. E o destino dos recursos, ou seja, os parlamentares ou dirigentes partidários, caberia à CPI do Mensalão. Mas a CPI dos Bingos, dominada pela oposição, que mobilizou senadores experientes, continuará a servir como instrumento de pressão para que as duas outras funcionem.

¿ Tudo o que nos negarem nas demais vamos encontrar formas de fazer na dos Bingos ¿ admite Agripino.

O sub-relator da CPI dos Correios, Gustavo Fruet (PSDB-PR), acredita que o problema é de vaidade:

¿ Já temos várias comissões. O melhor seria tentar conciliar.

Seu colega de partido e de sub-relatoria na CPI dos Correios, Carlos Sampaio (SP), concorda e acha que a solução para o conflito seria retirar logo dos Correios o caso dos parlamentares que receberam dinheiro do esquema de Valério:

¿ Temos de tomar medidas para evitar esse problema. Uma delas seria resolver o caso dos parlamentares. As provas que já temos deveriam ser encaminhadas para o Conselho de Ética. Os outros casos deveriam ir para a CPI do Mensalão.

Um dos resultados da disputa entre as três comissões foi a convocação do doleiro Antonio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, que em depoimento informal a um grupo da CPI dos Correios, em São Paulo, fez acusações sem apresentar provas contra políticos do PT. Controlada pela oposição, a CPI dos Bingos acabou usada esta semana para provocar a ida do doleiro ao Congresso.

A estratégia foi admitida pelo senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), autor do requerimento de convocação. Toninho da Barcelona sequer foi citado até agora nas investigações da comissão.

¿ Eles (do governo) estavam impedindo a convocação dele lá, então chamamos aqui ¿ disse o senador.

A estratégia deu certo. As CPIs dos Correios e do Mensalão vinham adiando a ida dele ao Congresso. Mas, após a aprovação de sua convocação na CPI dos Bingos, as duas outras voltaram atrás e também aprovaram a sua convocação.

O presidente da CPI dos Bingos, senador Efraim Morais (PFL-PB), acha, entretanto, que a comissão que comanda não interfere no trabalho das outras. Ele disse que aceita aproveitar depoimentos das outras comissões caso haja convocações repetidas, como no caso do ex-secretário de Comunicação do PT Marcelo Sereno, que esta semana foi à CPI dos Bingos e já foi chamado à CPI dos Correios.

Para o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que participa das três comissões, o choque pode levar as CPIs a perderem prazo e credibilidade.

¿ Este bate-cabeça pode desgastar a imagem das CPIs. As CPIs têm que se comunicar ¿ afirma Dias.