Título: Plutônio no ar
Autor: Tereza CruvinelTereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 28/08/2005, O Globo, p. 2

A mistura de elementos altamente radioativos no ambiente das CPIs pode produzir novas e importantes explosões políticas. A partir desta semana, entram em cena os fundos de pensão, o empresário Daniel Dantas e suas teles e o doleiro preso Toninho da Barcelona, além de outros personagens que podem ampliar o leque das investigações e elevar a tensão entre os partidos.

São elementos que tornam a crise mais inadministrável e seu desfecho mais imprevisível. Há quem diga que a baixaria da briga ACM-Jader foi brincadeira infantil diante da guerra anunciada dentro do Congresso. Acuado, o PT inicialmente adotou a tática de espalhar brasas, tentando sempre que podia puxar o PSDB para o poço em que se afogou, o do financiamento irregular de campanhas. Mas agora não foram os petistas mas disputa entre as CPIs que jogou tanta lenha nova na fogueira. A transposição do conflito entre Daniel Dantas e os fundos de pensão para a arena das CPIs contrariou profundamente o PFL, e a isso se atribui o rojão do presidente do partido, Jorge Bornhausen, contra o PT na sexta-feira: "Ficaremos livres desta raça por uns 30 anos!".

Os fundos serão investigados, oficialmente, pela suspeita de aplicações irregulares nos bancos Rural e BMG, destinadas a cobrir os empréstimos bancários para o PT/Marcos Valério. A convocação de Dantas também foi aprovada para que esclareça pagamentos aparentemente excessivos às agências de Valério, que atende a algumas empresas de telefonia que ele controla. Poderia haver aí transferências indiretas ao PT. Mas já está claro que a disputa entre o banco Opportunity e os fundos na área de telefonia aportou nas CPIs.

Na CPI dos Correios já se examina o contrato firmado em março entre Previ, Petros e Funcef com o Citigroup (aliados para afastar Dantas do controle da Brasil Telecom). Os fundos brasileiros prometem comprar a parte do banco americano até 2007 pagando R$90 por lote de mil ações. Como o lote hoje custava R$23,50 na data da assinatura, o TCU (provocado por deputado da bancada de Dantas) discute o valor de tão vantajosa oferta. Alegam os fundos que apenas aplicaram sobre o valor atual a correção pelo IGP-DI mais 5% pela garantia da preferência. Há em circulação cópia de uma proposta até melhor feita ao Citi pelo próprio Dantas em fevereiro. O negócio com o Citi teria sido precipitado pela descoberta dos planos de Dantas de vender, sem anuência dos sócios, a Telemig Celular e a Amazônia Celular à Portugal Telecom. A última tentativa teria sido a que foi feita por Marcos Valério em janeiro, usando o nome do PT. Valério tentava intermediar um novo negócio, já que não se viabilizara aquele com o qual pensava recuperar os milhões antecipados a Delúbio Soares e repassados a quem ele indicou: a transferência do Banco Mercantil de Pernambuco ao Rural, nunca viabilizada pelo Banco Central. As paixões que a briga Dantas-fundos desperta no Congresso sugerem que há muita gente metida nesta briga empresarial de cachorros grandes.

A outra explosão pode acontecer com o depoimento de Toninho da Barcelona, que na visita dos membros da CPI fez uma rápida demonstração de seu poder de fogo. Mas ele poderia atingir não apenas petistas - que há alguns meses advertiram o Ministério da Justiça sobre a conveniência de removê-lo para uma prisão segura em Brasília. Políticos de outros partidos teriam se valido dele para trocar dólares recebidos como doação ilegal de campanha ou movimentar recursos no exterior. Ele falará na dos Bingos, onde a situação do governo é de minoria absoluta.

Outro personagem que pode ser convocado é o esquecido Ricardo Sérgio, ex-diretor internacional do Banco do Brasil no governo FH, que andou "no limite da irresponsabilidade" nas privatizações, como ouvimos nas fitas do BNDES. Na sexta-feira, o "Correio Braziliense" divulgou indícios colhidos pelos procuradores de que ele seria sócio da Guaranhuns, lavanderia usada por Valério para transferir R$6 milhões ao PL. Outro desconforto para os tucanos é a convocação, já aprovada, de Cláudio Mourão, operador de um caixa dois de R$20 milhões na campanha do senador Azeredo em Minas, em 1998, tendo Valério na ponta.

A danação do PT é obra dos petistas e de seu ambicioso projeto de poder. Mas ela começa quando o partido ingressa no mundo dos grandes negócios cruzados com o financiamento de campanhas. Até 1998, os empresários davam ao PT cerca de 15% do que davam aos partidões. Em 2002, com Lula favorito, o que o PT arrecada de empresas é 1.300% superior ao recebido em 1998 (dados da revista "Teoria e Debate" com base no TSE). Tudo aponta para um esquema anterior a 2002 nas prefeituras, e isso só confirma que a rendição do partido que prometia ser diferente começa no financiamento de campanhas. O sistema nada desculpa mas se não for mudado, nenhuma lição terá ficado desta crise.