Título: Lula quer tentar a reeleição para salvar o PT
Autor: Cristiane Jungblut/Ilimar Franco/Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 28/08/2005, O País, p. 12

Jaques Wagner sugere o adiamento da eleição para presidência do partido e diz que luta interna 'beira a esquizofrenia"

Com o acirramento da crise, nos últimos dias o presidente Lula passou a demonstrar disposição de disputar a reeleição para salvar o PT e defender as realizações de seu governo, diz o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner. Ele sugere o adiamento das eleições internas do PT e afirma que falta bom senso ao partido, que acusa de ter terceirizado suas finanças. Wagner compara a tristeza de Lula à de um pai que educou o filho mas este, resolve se drogar. Ao fim de uma semana tumultuada, ele diz que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, está firme. Wagner apareceu para a entrevista em seu gabinete, no quarto andar do Palácio do Planalto, com uma camisa vermelha. "Homenagem ao PT", explicou.

Estamos enfrentando um momento extremo, como o do suicídio de Getúlio Vargas e da renúncia de Jânio Quadros, como disse o presidente?

JAQUES WAGNER: Ao citar esses exemplos, o presidente disse que o país não precisa de uma saída traumática. A maturidade democrática do Brasil permite uma saída institucional.

Qual a dimensão da crise?

WAGNER: Sua dimensão aumenta pelos problemas praticados por pessoas do PT. Isso porque o pecado do pecador não assusta tanto. Mas o pecado do pregador tem uma dimensão muito maior. Alguns do PT adentraram nos caminhos tradicionais e viciados. Esta não é uma crise nova. Mas é mais chocante porque ela introduz um elemento de onde esperava-se as mudanças, que é o PT.

No discurso, o presidente Lula mostrou-se incomodado com a questão eleitoral de 2006. Por quê?

WAGNER: Ele está incomodado porque quer discutir isso no momento correto. Quando alguém diz que o presidente Lula precisa proclamar que não será candidato à reeleição, é claramente uma antecipação do processo eleitoral.

O presidente sairá candidato à reeleição?

WAGNER: Ele tem afirmado que sempre foi contra a reeleição e que acha que, para tentar um novo mandato, teria que fazer mais do que fez num eventual segundo governo. Mas agora ele introduziu em algumas conversas uma outra possibilidade que parece até contraditória. Ele diz: "Se eu perceber que o PT perdeu muito politicamente com este episódio, mesmo que as condições não estejam boas, eu posso me candidatar para fazer a disputa do que foi o nosso governo, do que é o PT."

Lula disputaria a reeleição para salvar o PT de um resultado desastroso nas urnas?

WAGNER: Seria uma candidatura para recuperar o PT. O presidente tem dito dessa forma. Por isso eu digo que não há hipótese de cogitar que ele vai sair do PT.

A estratégia da oposição de sangrar o governo está funcionando?

WAGNER: Pela pesquisa Ibope, a tática deles está dando certo. Mas essas coisas são mutáveis. O presidente tem um profundo patrimônio na sociedade e essa situação é recuperável. A oposição tentou outras coisas. Já nos acusaram de paralisia e de gastança. Essas coisas não colaram.

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, está fragilizado com as denúncias do ex-assessor Rogério Buratti?

WAGNER: Quem sustenta as posições do ministro Antonio Palocci é o presidente Lula. Os fatos conhecidos não levaram o presidente a perder a confiança em Palocci. É lógico que o governo se preocupa com as oscilações no mercado. Não interessa ao governo perder sua credibilidade dentro e fora do país. Por isso, o presidente tem repetido que suas decisões não são tomadas pela variável eleitoral. O governo não abriu o cofre e o presidente tem dito que não enfrentará a crise com rompantes.

Há corrupção generalizada no governo Lula?

WAGNER: Seguramente não existe corrupção generalizada. A corrupção tópica pode existir. Nos Correios, as investigações mostram isso. Mas separo esse episódio do financiamento eleitoral do PT. Não há nenhuma conexão entre os empréstimos de Marcos Valério de Souza com os atos de corrupção nos Correios.

Qual sua avaliação da disputa pelo comando do PT?

WAGNER: Não há bom senso do conjunto das forças políticas do PT, no momento de tamanha turbulência, em manter seu calendário como se nada tivesse acontecendo. Acho que numa situação dessas o PT tinha que dar um salto e perceber que há algo maior que a árvore, há uma floresta para enxergar. Não era para ninguém estar disputando seus territórios neste momento.

A luta é autofágica?

WAGNER: Chega à beira da esquizofrenia. Enquanto todos estão preocupados com o país, o PT não abre mão do calendário original de disputa interna, que é legítima mas imprópria. É evidente que as eleições diretas para a direção do PT (marcadas para 18 de setembro) deveriam ser adiadas.

Quem está certo, Tarso Genro ou José Dirceu?

WAGNER: Este é outro episódio que mostra a autofagia do PT, de se digladiar no palco, em público. A política do "ou eu ou ele" é um péssimo caminho, que nos levou para uma encruzilhada. O ideal é adiar as eleições internas. Está claro que a divisão do PT nas eleições para a Câmara foi decisiva para a derrota. A falta de unidade interna vai atrapalhar inclusive a minha ação de articulação.

Qual sua avaliação do esquema Marcos Valério?

WAGNER: Adotou-se a terceirização da tesouraria do partido. Isso foi inadequado. Mas nem o Brasil nem o PT podem depender para seu funcionamento da honestidade das pessoas. Qualquer um pode se deslumbrar. Alguns companheiros se deslumbraram e adotaram métodos estranhos ao partido.

Não é constrangedor um banco dar emprego e outro fazer um empréstimo para a ex-mulher de José Dirceu?

WAGNER: Pergunte a ele. Não quero falar sobre os outros. A maior burrice numa crise é buscar culpados e não a superação dela. É claro que a superação vai passar pela punição dos culpados. Mas não estou preocupado em saber se o erro maior foi de Delúbio, de João Paulo Cunha, de Marcelo Sereno. Todos se contaminaram.

Lula chegou a avaliar que os petistas ficaram deslumbrados. O senhor concorda?

WAGNER: Teve deslumbramento mesmo. O que contesto é a generalização. No que se refere ao presidente Lula, garanto que não há deslumbramento em sua vida privada. Mas há pessoas que acharam que o poder era definitivo. Daí vieram a coragem e a irresponsabilidade de achar que podiam fazer tudo, que não daria em nada. E arrebentou. Como diz o Chico Buarque, o coração fica ferido quando você perde uma pessoa. A tristeza do presidente vem daí. Mal comparando, é como se o PT fosse um filho dele. Aí quando o filho dele tem 25 anos e estava no melhor momento de sua vida, entrou na faculdade e se drogou. Quando ele diz que foi traído é como se ele dissesse que educou um filho para isso e para aquilo e ele acaba fazendo coisa errada.

"O Brasil nem o PT podem depender, para funcionar, da honestidade das pessoas. Qualquer um pode se deslumbrar"

"Há pessoas que acharam que o poder era definitivo. Daí vieram a coragem e a irresponsabilidade de achar que podiam fazer tudo"