Título: LIMINARES GARANTEM BINGOS ABERTOS NA CIDADE
Autor: Chico Otávio
Fonte: O Globo, 28/08/2005, O País, p. 14

Casas de aposta juntam-se a entidades esportivas e permanecem de portas abertas mesmo contrariando STF

Um nó jurídico, combinado com a ousadia dos proprietários, mantém abertos e sem fiscalização pelo menos 13 bingos no Rio e em Niterói. Com a ajuda de entidades esportivas, entre as quais uma federação de kickboxing, eles inundaram o Judiciário com pedidos de liminar e, mesmo contrariando decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), permanecem de portas abertas, com máquinas caça-níqueis e mesas de apostas funcionando a pleno vapor.

Desde outubro de 2003, decisão da Justiça Federal do Rio, confirmada pelo STF, proíbe o funcionamento de 39 bingos na cidade e veta a autorização para a abertura de novas casas. A iniciativa partiu da Procuradoria da República, que pôs em xeque o poder do governo fluminense de legislar sobre casas de jogos. Doze deles, contudo, se valem de uma liminar obtida na primeira turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região para continuar abertos. Outro bingo, em Madureira, funciona sem qualquer amparo legal.

Autoridades: bingos nada oferecem à cidade

Os bingos cariocas mantêm com a cidade uma relação ambígua. Para o público, oferecem um ambiente aberto e sedutor. No Bingo Saens Peña, na Tijuca, um dos 12 favorecidos pela liminar, a arquitetura é luxuosa, com candelabros e fachada de mármore, há shows diários com artistas conhecidos, café e água grátis, quando não uma sopa de madrugada e almoço aos domingos, além de caixas eletrônicos para saques de última hora e algumas máquinas premiadas que sorteiam eletrodomésticos e carros.

Para as autoridades, contudo, os bingos nada oferecem. Sua contabilidade é uma caixa preta. Pouco se conhece sobre a sua relação com as entidades esportivas, razão do seu funcionamento, e muito menos sobre a tecnologia que opera os seus jogos eletrônicos. Curiosamente, o dado mais concreto sobre a vida financeira de um bingo surgiu de um assalto: o roubo de R$197 mil do Bingo da Praia, na Barra da Tijuca, provou que a arrecadação da casa era bem maior do que a alegada.

A batalha judicial pelo fechamento dos bingos começou na 6ª Vara Federal, onde o Ministério Público Federal ingressou com uma ação civil pública pelo fechamento das casas. Três bingos (Arpoador, Central e Assembléia) recorreram ao Tribunal Regional Federal e conseguiram reabrir por decisão da desembargadora Tania Heine. A medida, contudo, foi revogada pelo ministro Celso de Mello, do Supremo, obrigando o fechamento das três casas.

Outra frente, contudo, foi aberta pelo governo do Rio de Janeiro, que entrou com uma reclamação no Supremo para reabrir as casas, alegando que os bingos contribuem para a obra social do estado. O ministro Marco Aurélio de Mello concedeu liminar, mas uma recurso da Procuradoria Geral da República levou a questão ao exame do pleno do STF. Por dez votos a um, a medida foi revogada e, mais uma vez, os bingos cariocas fecharam as portas.

Decisão de reabrir as casas contraria posição do STF

Quando o Ministério Público Federal pensava ter vencido a queda-de-braço, os bingos fizeram nova investida, dessa vez representados por federações, associações e ligas esportivas. Animados com a derrubada, no Senado, da medida provisória que proibia a existência de bingos no Brasil, eles ingressaram com novo pedido de liminar na 17ª Vara Federal. O juiz nem chegou a examinar o mérito, rejeitando o pedido, mas as entidades recorreram ao TRF e conseguiram uma nova liminar.

O processo envolve sete entidades esportivas (Federação de Tênis do estado, Liga de Judô do estado, Confederação Brasileira de Remo, Federação Aquática do estado, Confederação Brasileira de Tae Kwon Do, Associação Brasileira de Desportos para Cegos e Federação de Kickboxing do estado). Os favorecidos são os bingos Cidade, Recreio, Carioca, Taquara, Ipanema, da Praia, Barra, das Nações, Icaraí, Saens Peña, Gold e Ibiza.

O Ministério Público alegou que, para burlar o Judiciário e obrigá-lo a julgar questões já examinadas, os processos omitiram propositalmente dados sobre os bingos, chegando a alterar contratos sociais ou fornecer apenas a razão social das casas, ocultando os nomes de fantasia.

O procurador da República José Augusto Vagos disse que a decisão da primeira turma do TRF, que reabriu as casas, ignorou a posição do Supremo, que determinara o fechamento dos bingos na cidade:

-- Foi uma decisão esdrúxula, juridicamente atípica - lamentou Vagos.

A Procuradoria Geral da República espera que o Supremo anule a liminar do TRF-2 e julgue a ação direta de inconstitucionalidade que veta, em caráter definitivo, a possibilidade de o governo fluminense legislar e fiscalizar os bingos do estado.

Enquanto isso, um vácuo judicial favorece os bingos. A Loterj, desde outubro de 2003, por decisão da 6ª Vara Federal, está impedida de fiscalizar as casas de aposta. Já os órgãos federais, como a Polícia Federal e a Receita Federal, também estão impedidas de fiscalizar por conta da liminar do TRF-2.

BATALHA AGORA É NA JUSTIÇA

A batalha pelo fechamento dos bingos do Brasil, já travada no Executivo e no Legislativo, concentra-se agora no Judiciário. Três meses após o Congresso derrubar medida provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que proibia o funcionamento destas casas de apostas no país, o Supremo Tribunal Federal reabriu o caminho para o fechamento das casas de jogos. Por dez votos a um, os ministros do STF consideraram inconstitucional quatro leis do Distrito Federal que permitiam o jogo na capital.

A decisão foi provocada por uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Procuradoria Geral da República. Outras adins sobre o mesmo tema, inclusive para o Rio de Janeiro, também serão examinadas pelo Supremo. No caso do Distrito Federal, o STF entendeu que cabe apenas à União legislar sobre o tema, e uma lei federal proíbe os bingos. A decisão cria jurisprudência para que o jogo seja proibido nos demais estados.

- Sem dúvida alguma, os bingos estão à beira do precipício - disse o relator da ação no STF, Carlos Velloso.

O debate sobre o funcionamento dos bingos ganhou força com o escândalo Waldomiro Diniz, ex-assessor do Planalto demitido depois de flagrado negociando suborno com um bicheiro.

Legenda da foto: BINGO SAENS PEÑA, na Tijuca: arquitetura luxuosa e shows diários numa das 12 casas favorecidas por liminar do Tribunal Federal de Recursos