Título: PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DO XINGU
Autor: Fernanda da Escossia
Fonte: O Globo, 28/08/2005, O País, p. 15

Kuikuros produzem vídeo e DVD para contar suas histórias

ALDEIA KUIKURO, PARQUE DO XINGU (MT). No meio das danças e lutas do Quarup, o ritual dos índios do Xingu de homenagem aos mortos, um índio corre com uma câmera semi-profissional na mão: Marikã, um kuikuro de 23 anos, é um dos encarregados de filmar a cerimônia. O projeto de gravação em vídeo dos rituais kuikuros começou em 2002, quando o cacique da tribo, Afukaká Kuikuro, descobriu que os jovens da aldeia não sabiam mais de cor os cerca de 400 cânticos do Quarup. Aos 52 anos, cacique desde os 25, cinco vezes campeão do torneio de uka-uka que encerra os Quarups, Afukaká percebeu que os outros rituais passavam pela mesma dificuldade: diante dos apelos da vida moderna, os jovens estavam esquecendo as tradições, e os rituais estavam apenas nas cabeças dos velhos mestres de canto da tribo.

Os kuikuros pediram então ajuda ao antropólogo Carlos Fausto, professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e que já fazia pesquisas na região. A equipe de Fausto montou com a tribo o projeto "O tempo do ritual: memória, conhecimento e prestígio político entre os kuikuro do Alto Xingu". Oficinas de vídeo foram montadas na aldeia e foi criada a Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu. Um DVD sobre os rituais da época de eclipse está pronto e outro será feito sobre o Quarup.

- Levamos os jovens para conversar com os mais velhos sobre os rituais, e isso reavivou o interesse deles sobre as tradições - afirma Fausto.

O Quarup se origina na lenda kamayurá de Mavutsinim, que queria que seus mortos voltassem à vida. Cortou os troncos - quarups (madeira ao sol) - e pediu que a tribo, depois de enfeitá-los, cantasse para fazê-los reviver. Até hoje, na cerimônia, os troncos enfeitados representam os mortos homenageados. Outro ritual é o das "meninas do resguardo": adolescentes que, após a primeira menstruação, ficam fechadas em casa por cerca de um ano, sem tomar sol nem cortar o cabelo. Na festa, saem, cortam a franja e terminam um rito de passagem: estão prontas para casar. A cada ano, o Quarup se repete em aldeias diferentes. Este ano, a festa foi na aldeia dos kuikuros.

A jornalista viajou de Brasília ao Parque do Xingu a convite da Funai

Legenda da foto: O KUIKURO Marikã filma o ritual das danças e lutas do Quarup: projeto para preservar os rituais