Título: UMA PRIMAVERA DE DEBANDADAS
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 29/08/2005, O País, p. 4

Salvo algum casuísmo de última hora, a esta altura improvável, setembro trará uma das mais estranhas temporadas de troca de partido dos últimos tempos. O lado positivo é que, em meio aos escândalos, dificilmente serão usados os incentivo$e moeda$de troca de sempre.

Ao mesmo tempo, porém, todos os arranjos serão efêmeros, pois o quadro partidário virou um tremendo barata-voa.

Alguns pragmáticos ainda tentam aprovar emenda esticando excepcionalmente o prazo de filiação partidária para dezembro de 2005, mas até agora o relógio continua andando. Até outubro, os candidatos terão que estar filiados às legendas pelas quais vão concorrer. E o drama da maioria, sobretudo de deputados e senadores da base governista que pensam na reeleição, é identificar a canoa que não vai afundar. Ou, pelo menos, achar um partido salva-vidas para fazer a travessia. Pouco se enxerga no horizonte político, mas as primeiras tréguas na crise e as pesquisas recentes começam a apontar movimentos e tendências. Alguns deles:

1. O inevitável encolhimento do PT. Ainda que a crise parasse por aqui, dando condições a Lula de se candidatar à reeleição, o desgaste do PT como legenda é irreversível. O PT antigo morreu. O que não quer dizer que não possa nascer um outro, purificado. Mas terá de começar da estaca zero, reconquistando a confiança de quem perdeu a esperança. A desidratação petista terá dois tempos. A primeira debandada pode ocorrer até o final do mês, após as eleições internas. Se o grupo que vinha dando as cartas no campo majoritário continuar controlando o partido, saem alas mais à esquerda e notáveis como Cristovam Buarque, por exemplo. O segundo momento da decadência deve ser a própria eleição. Com Lula ou sem Lula, nas urnas sua bancada pode ser reduzida à metade, passando dos 98 deputados para algo perto de 40. Não há também grandes chances de eleger governadores. Candidatos viáveis estão fazendo as malas.

2. PTB, PP e PL: os envolvidos diretamente no escândalo tendem a virar pó. Bem feito. Quem engordou à custa do poder deve perder agora as gordurinhas, pois os ratos são os primeiros a abandonar o navio. Acordos políticos feitos na base de mensalões e ajudas do tipo costumam ruir na hora do infortúnio. Quem entrou nos partidos de centro-direita da base só para ser governo já percebeu que suas chances eleitorais reduziram-se muito. Tendem a voltar para o PFL, o PSDB ou o PMDB. Para o eleitor, será que cola?

3. PSDB: ninho atraente, mas com muitas bicadas. A crise deve beneficiar eleitoralmente os tucanos, que vislumbram não só a possibilidade de ir para segundo turno como a de vencer Lula. O nome hoje é José Serra - o que prenuncia uma temporada de brigas no PSDB. E a bancada tucana tende a crescer, bem como os governos estaduais. Mas há aí dois "senões": um é que, após oito anos de Fernando Henrique, o partido ainda sofre a chamada fadiga de material que levou o eleitor a outra opção em 2002; outro, a chance de, na crise, vir a ser abalado por denúncias envolvendo caixa dois e doleiros.

4. PFL: falta nome na oposição radical. Nada como um dia após o outro. A direção do PFL avisa aos navegantes que não vai aceitar qualquer filho pródigo de volta. Mas vai. A crise chegou a tempo de salvar o PFL de minguar.

O que não quer dizer que será o principal beneficiário da derrocada do PT. Além de não ter nome viável para a Presidência, sabe-se que eleitor não gosta de partido-matador - perfil do PFL, que radicalizou na crise.

5. Vai sobrar alguma coisa para a esquerda. O inexistente P-SOL de Heloísa Helena, o PV, o PSB, o PCdoB e até o PPS vão lucrar com restos da debandada petista, sobretudo na esquerda desiludida. Aliás, precisam disso para fazer frente à cláusula de desempenho.

6. PMDB: um pé em cada canoa para se dar bem sempre. Os peemedebistas estão no governo mas com um olho na candidatura própria. Sua maior incógnita se chama Garotinho, que terá que decidir seu destino até o fim de setembro. É o nome mais forte eleitoralmente, mas não tem o apoio da maioria da convenção e pode acabar com um mico na mão. Ainda que continue um corpo sem cabeça, o PMDB vai ficar mais forte no Congresso. Acolherá os aventureiros sem-partido que sempre aparecem nessas horas.

7. Um novo partido? Chance zero antes da eleição. É coisa para 2007.