Título: A VEZ DE LUIZ INÁCIO
Autor: Jorge Antônio Barros
Fonte: O Globo, 29/08/2005, Opinião, p. 7

"Tudo o que está escondido será descoberto e tudo o que está em segredo será revelado." Lucas 16:17

Quanto mais se vive neste país, mais se surpreende com o que vai na primeira página dos jornais. Alguns jamais pensaram, por exemplo, que estariam vivos para ver o inimaginável: a palavra de ordem "Fora Lula" estampada em faixas vermelhas, como as da manifestação em Brasília. Esse grito de guerra deve ter doído muito no fígado do presidente Lula, simplesmente porque ele e os companheiros traidores usaram muitas vezes a mesma frase de efeito para se dirigir a alguns presidentes da República, também eleitos pelo voto popular.

A história política do país nas duas últimas décadas do século passado foi marcada por denúncias freqüentes de corrupção entre os poderes Executivo e Legislativo. Num estudo publicado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o IBCcrim, Flávia Schiling traça um panorama conturbado a partir das comissões parlamentares de inquérito e a luta contra a corrupção no Brasil (1980-1992). A pesquisadora faz uma pergunta cada vez mais difícil de se responder: "Corrupção, ilegalidade intolerável?" Os governantes brasileiros têm ouvidos moucos para essa pergunta.

Desde o início da redemocratização em 1985, após 21 anos de regime militar, todos os presidentes brasileiros ouviram muito bem o mesmo grito de oposicionistas inflamados, a maioria deles sempre mais à esquerda. Quem não se lembra do "Fora Sarney", do "Fora Collor" e do "Fora FH"? Fernando Collor conseguiu atingir a unanimidade nesse quesito. Foi a época em que todo o país parece ter despertado de um longo sono provocado pelas baionetas e saiu às ruas em peso, dos estudantes às donas-de-casa, passando pelos profissionais liberais e executivos. A CPI do Caso PC, mostrando como o grupo de Collor assaltou o Palácio do Planalto, foi campeã de audiência entre todas as CPIs.

O fato é que o passa-fora também atingiu o ouvido de outro presidente, José Sarney, que não chegou ao Planalto pelo voto direto, mas conseguiu certa popularidade com o Plano Cruzado, em 86. Atire a primeira pedra quem nunca teve ao menos a tentação de ser fiscal do Sarney, para derrotar a inflação. Nos dias de Sarney, também houve CPI, a da Corrupção, que atingiu ministros e o secretário pessoal do então presidente. Foi quando surgiu a famigerada lista da fisiologia, com os nomes de parlamentares brindados com verbas e até emissoras de rádio pelos cinco anos de mandato do então presidente. Naqueles dias, se viu até picareta voando na Praça Quinze contra um Sarney acuado. "Fora Sarney" era a palavra de ordem dos petistas e militantes da CUT. Mas José Sarney escapou.

Aí tivemos a primeira eleição direta para presidente da República depois da ditadura militar e todo mundo sabe no fiasco que deu. "Fora Collor" foi novamente a palavra de ordem impressa nas faixas, dessa vez aproveitando o próprio logotipo do candidato, as barras verde-e-amarelas, as cores nacionais de que "elle" tentou se apropriar. As principais diferenças entre as denúncias de corrupção do Caso PC e as da atual crise são apenas três: ainda não se chegou à origem do dinheiro, não há sinais exteriores de riqueza dos principais acusados e o grupo de beneficiados com a dinheirama é pelo menos cinco vezes maior. De resto, é tudo igual. Mentiras atrás de mentiras, contradições, altas somas de dinheiro suspeito e a falta de vergonha habitual de políticos pegos em maracutaia no país. O próprio Lula nunca mais usou essa palavra. Fator determinante na investigação atual foi a criação do Coaf, que não havia nos tempos de Collor. Talvez fosse pego muito mais gente. Ou alguém esqueceu que até hoje não vieram à tona os corruptores de PC?

Menos de dois anos depois do impeachment de Collor começava a Era FH, um dos políticos mais respeitáveis que assumiu o Planalto no período pós-ditadura, mas que também não deixou de ser chamuscado pelo fogo das denúncias de corrupção. "Fora FH" então foi mais uma vez ouvido na voz rouca das ruas. Uma base parlamentar melhor recompensada e a habilidade política de FH o livraram de dois pedidos de CPIs.

Agora chegou a vez de Lula ouvir "Cai fora". Quase ninguém poderia acreditar se alguém contasse que o governo Lula também seria manchado por acusações de corrupção ou mesmo pela menor dúvida de que a ética tão propagada pelo PT na oposição daria lugar a um cinismo inigualável na boca malfeita do sr. Delúbio Soares.

Para escapar de coisa mais grave, o ex-tesoureiro do partido que chegou ao poder confessou ter conseguido dinheiro para o partido com a intermediação de um empresário interessado nas verbas do mesmo governo. Por mais que neguem tudo e até comprovem sua inocência, os petistas que chegaram ao poder jamais vão se livrar da sombra da dúvida de sua honestidade e retidão. Eles precisam se convencer de que perderam a chance de transformar definitivamente este país não apenas com reformas, mas com o sonho de liberdade de um povo mais politizado. A aula de política dada pelo PT no poder foi a pior possível. Foi a da Lei de Gerson associada a um jeitinho todo especial de contabilizar gastos por fora. Mensalão pouco é bobagem.

De todos os presidentes da República que tomaram posse apenas um não ouviu a palavra de ordem "Fora": Itamar Franco. Que práticas políticas são essas que não permitem que nenhum governante escape ileso de denúncias de corrupção? Até Itamar, que não falaram em botar fora, teve dois ministros acusados de falcatruas, mas estava longe de ser alvo das denúncias. Todos os outros presidentes tiveram seu governo manchado, prejudicado, acuado e até mesmo interrompido por práticas de corrupção com ou sem conhecimento do mandatário maior. Itamar deveria pensar seriamente em se candidatar à Presidência da República.

JORGE ANTONIO BARROS é jornalista.

A aula de política dadapelo PT nopoder foi apior possível