Título: REMESSAS EM RISCO
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 29/08/2005, Economia, p. 14

Corrupção na América Latina pode desestimular envio de dinheiro à região, diz FMI

O crescente volume de dólares enviados ao Brasil e à América Latina em geral, por imigrantes da região que trabalham nos Estados Unidos e no Japão, vem se consolidando como uma das principais ferramentas para a redução da pobreza. No entanto, a instabilidade política, os baixos níveis de obediência à lei e a percepção de que a corrupção é uma praga incontrolável nos países da área podem provocar uma redução no fluxo dessas remessas.

A constatação e advertência são do Fundo Monetário Internacional (FMI), que vem estudando o impacto potencial dos envios de dinheiro, cujo volume deverá chegar a um total de US$500 bilhões entre 2001 e 2010. As cifras referentes a 2004, ainda não totalmente finalizadas, indicam que pelo menos US$45 bilhões chegaram à América Latina no ano. O México recebeu o maior volume, com US$17,6 bilhões, seguido pelo Brasil, com US$6,5 bilhões.

O fato de as remessas se destinarem essencialmente à pessoas físicas, e não aos governos, é visto como um fator altamente positivo pelo FMI, "pois não carregam o mesmo potencial de estímulo à corrupção e ao desperdício". No entanto, à medida que esse fluxo se torna tão freqüente e mantém um ritmo de crescimento, ele passa a ser também uma fonte de investimento dos imigrantes em seu país de origem.

Por um lado há os que tratam de ajudar familiares que deixaram para trás. Mas muitos, cada vez mais, passam a remeter como uma forma de aplicação em imóveis e na abertura de pequenos negócios que, no futuro imediato ou mais longínquo, possam garantir o sustento no seu retorno ao país.

Aplicar nos países ricos é alternativa

E é justamente nesse ponto que a instabilidade e a percepção de corrupção podem acabar atrapalhando. A falta de incentivos ou garantias ao investimento também pode complicar:

- As remessas feitas como forma de investimento podem ser estancadas devido ao risco de expropriação ou roubo. Além disso, um potencial maior de retorno (financeiro) de bens adquiridos no país onde o imigrante está trabalhando pode incentivá-los a aplicar a sua poupança nesse país, em vez de enviá-lo à sua terra - advertiu Raghuram Rajan, economista-chefe e diretor do departamento de pesquisas do FMI.

Segundo ele, um dos aspectos mais úteis das remessas feitas pelos imigrantes é a sua estabilidade. Elas são enviadas tanto nos bons tempos quanto nos maus e, portanto, ajudam a amortecer choques adversos.

- Elas também têm um bom destino, pois vão diretamente às pessoas que necessitam de ajuda e, por isso, contribuem para reduzir a pobreza - disse Rajan.

Ele acrescentou que, como as remessas são usadas principalmente para financiar o consumo básico, "elas podem ter um efeito positivo na pobreza, ainda que o seu impacto possa ser mínimo em relação ao crescimento". Os envios têm um papel importante na redução da vulnerabilidade das pessoas que os recebem. E, de acordo com os cálculos do FMI, este impacto é economicamente grande. Um aumento de 2,5% no índice de remessas em relação ao Produto Interno Bruto (PIB, soma de todos os bens e serviços produzidos no país) resulta num corte de um sexto na volatilidade da capacidade produtiva do país, ou seja, eleva a sua estabilidade econômica.

"Em casos extremos as remessas podem reduzir a probabilidade de crises financeiras. Esta consideração é reforçada pelo fato de que, ao contrário dos fluxos de capital, os envios dos imigrantes são transferências que não criam futuros serviços de dívida ou outras obrigações", diz um trecho de um estudo específico realizado pelo economista-chefe do FMI, já disseminado internamente e colocado à disposição do países.

FMI sugere redução de taxas de serviço

Segundo Rajan, o Fundo está incentivando os governos a facilitarem a entrada desse capital que atualmente significa pouco mais do que 150% dos juros anuais pagos pelos países na amortização de sua dívida externa. A razão para isso é clara:

- Os fluxos de remessas podem, se bem administrados, ser explorados de forma a acelerar o desenvolvimento financeiro nos países que os recebem - disse ele.

O FMI vem aconselhando os governos a estimular um aumento das remessas feitas pelos imigrantes através da redução dos custos desse envio, diminuindo, ao mesmo tempo, as taxas de serviço pela transação e as barreiras à sua entrada. A maioria das pessoas que recebem o dinheiro, por exemplo, não tem conta bancária e, portanto, ele é sacado de imediato quando poderia servir de capital a ser trabalhado pelas instituições financeiras.

- É preciso que os bancos atraiam esses potenciais clientes, dando uma nova dinâmica ao fluxo constante de capital que eles recebem, já que a maioria dos imigrantes envia dinheiro pelo menos uma vez por mês. Ao mesmo tempo em que abrem novas contas, os bancos devem também permitir o acesso desses clientes ao crédito, movendo assim toda a economia - disse Rajan ao GLOBO.

Por outro lado, o FMI insiste que haja uma monitoração rigorosa desses fluxos, para evitar que o dinheiro seja canalizado para a economia informal e, principalmente, para reduzir o risco de lavagem de dinheiro e aplicações ilegais.

"Um potencial maior de retorno (financeiro) de bens adquiridos onde o imigrante está trabalhando pode incentivá-los a aplicar sua poupança nesse país, em vez de enviá-lo à sua terra"

Fundo teme fuga de mão-de-obra especializada

WASHINGTON. O envio de dinheiro por imigrantes vem crescendo ano a ano e, pela estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI), isso deve continuar, à medida que a população dos países ricos envelheça e eles passem a receber um fluxo maior de mão-de-obra das nações em desenvolvimento. Essa tendência, no entanto, preocupa o Fundo, porque, ao mesmo tempo que significa a perspectiva de um aumento de fluxo de capital para regiões mais pobres, ela também poderia afetar o bem-estar dos países em desenvolvimento.

A questão é que as migrações deverão ser, gradualmente, de pessoas com índice mais alto de escolaridade em busca de empregos de melhor nível. E isso implicaria numa fuga de cérebros dos países que deles necessitam para forjar o seu próprio desenvolvimento.

"Essa drenagem de cérebros e a perda de capital humano especializado poderiam retardar as perspectivas de desenvolvimento daqueles que foram deixados para trás. E isso afetaria, por exemplo, a base tributária", diz trecho do estudo feito por Raghuram Rajan.

O FMI, segundo o seu economista-chefe, também está preocupado com o fato de que um aumento significativo de remessas feitas por imigrantes que foram para os EUA e Japão - as duas principais fontes desse fluxo de dinheiro - possa debilitar o incentivo ao trabalho nos países que recebem o dinheiro.

Além disso, o Fundo está monitorando esse fenômeno de perto para ver se ele pode, como se suspeita, causar uma valorização da taxa de câmbio real "e uma contração simultânea dos setores comerciais". (J.M.P.)

"Os fluxos de remessas podem, se bem administrados, ser explorados de forma a acelerar o desenvolvimento financeiro nos países que os recebem"

RAGHURAM RAJAN

Economista-chefe e diretor do Departamento de Pesquisas do FMI

INCLUI QUADRO: O FÔLEGO DOS RECURSOS QUE VÊM DE FORA [REMESSA PARA AMÉRICA LATINA, SAINDO DOS EUA, SAINDO DO RESTO DO MUNDO]