Título: IRAQUE: ASSINADO PROJETO DE CONSTITUIÇÃO
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Fonte: O Globo, 29/08/2005, O Mundo, p. 18

Texto vai a referendo mesmo sem apoio sunita. Jornalista é morto em Bagdá

BAGDÁ. A comissão encarregada de redigir a nova constituição do Iraque encerrou ontem o processo de negociação e apresentou o texto à Assembléia Nacional, dominada por xiitas e curdos, apesar de ele ter sido fortemente rejeitado por líderes sunitas. O texto deverá ser levado a referendo popular em 15 de outubro.

Negociadores sunitas consideraram o documento ilegal e pediram a intervenção das Nações Unidas e da Liga Árabe. Um representante acusou partidos xiitas e curdos de violarem o acordo de trabalho conjunto.

- Acredito que o povo dirá "não" a essa constituição americana - acusou Hussein al-Falluji, delegado sunita na comissão.

Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, que consideram fundamental a aprovação popular da constituição para derrotar os rebeldes, elogiaram a decisão do Parlamento.

- É claro que há quem não concorde. É direito deles - disse o presidente americano, George W. Bush.

Texto não chegou a ser votado pelo Parlamento

A comissão constitucional fez pequenas alterações na esperança de atender os sunitas. As principais discordâncias dizem respeito ao estabelecimento de regiões autônomas e a como lidar com membros do antigo governo e do Partido Baath, do ditador Saddam Hussein. O texto sugere concessões limitadas aos sunitas. O novo texto retirou a expressão "Partido Baath", mas proíbe o "Baathismo de Saddam e seus símbolos".

Os curdos já vivem numa região autônoma no norte do país e apóiam um governo descentralizado. E os xiitas expressam o desejo de formar uma região autônoma no sul. Os sunitas acham que isso comprometeria a unidade do país.

Sem levar o texto à votação, a comissão assinou o projeto e o leu, diante do Parlamento. Falando em cadeia de TV, o presidente Jalal Talabani pediu o apoio dos iraquianos:

- Esperamos que esta constituição seja aceita por todos os iraquianos - disse.

Mas não está claro como os iraquianos vão reagir, mesmo com o apoio de líderes xiitas e curdos ao texto. Uma rejeição em três das 18 províncias derrubaria o projeto. Se a constituição não for aprovada, o governo iraquiano poderá ser desfeito e ser eleita uma Assembléia Nacional transitória.

Ontem, um técnico de som da agência de notícias Reuters foi morto a tiros em Bagdá. O cinegrafista que o acompanhava foi ferido e detido por soldados americanos. Segundo a polícia iraquiana, eles foram atingidos por tropas americanas.

De acordo com a organização Repórteres sem Fronteiras, mais jornalistas foram mortos no Iraque desde que a guerra começou, em 2003, do que nos 20 anos da crise em torno da Guerra do Vietnã. Desde que as tropas lideradas pelos Estados Unidos invadiram o Iraque, em 20 de março de 2003, 66 profissionais de imprensa foram mortos - três a mais do que no Vietnã.

Os Repórteres Sem Fronteira classificaram o Iraque como o local mais perigoso do mundo para jornalistas.

Temas polêmicos

O texto proposto para a constituição iraquiana obteve consenso entre xiitas e curdos na maioria dos temas. Mas os sunitas, que deixaram o poder com a queda de Saddam Hussein, opõem-se fortemente a alguns pontos.

FEDERALISMO: Sunitas reagiram fortemente à proposta xiita da formação de uma região autônoma no Sul, rico em petróleo. E embora sunitas e xiitas aceitem uma região autônoma curda no Norte, não há consenso sobre como seria o federalismo curdo.

PARTIDO BAATH: A referência ao partido de Saddam Hussein foi modificada na tentativa de buscar o apoio sunita. Os sunitas queriam a retirada de qualquer cláusula que proibisse antigos membros do Baath de participar da vida pública, argumentando que nem todos têm sangue nas mãos.

ÁRABES: O texto diz que "o Iraque é parte do mundo islâmico e a parcela árabe de seu povo é parte da nação árabe". Sunitas, e alguns xiitas, querem que o país por completo seja visto como parte do mundo árabe. Os curdos são muçulmanos, mas não árabes.

ISLÃ: Xiitas, curdos e sunitas concordam que o islamismo seja a religião oficial, mas há divergências sobre o papel dos clérigos e a influência do Islã na legislação.

Legenda da foto: IRAQUIANOS COMEMORAM projeto de constituição em Najaf, cidade xiita