Título: O fogo interno
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 30/08/2005, O GLOBO, p. 2

O desfecho do cabo-de-guerra entre os ex-ministros Tarso Genro e José Dirceu não ajuda o PT a sair de seu labirinto. Passa a idéia de que mesmo na crise os petistas são governados pela luta interna. A insistência de Dirceu em permanecer na chapa do Campo Majoritário, levando Tarso a desistir de sua candidatura, enfraquece o discurso da renovação. Mas diz-se nos bastidores que, não tendo Ricardo Berzoini feito a mesma exigência, Dirceu poderá sair da chapa antes da eleição da nova direção.

Apresentaria a saída como gesto voluntário, para facilitar a restauração do edifício partidário abalado pelo escândalo produzido pela antiga direção. Diria que não o pôde fazer antes porque sofreu um ultimato, e cedendo, teria perdido por antecipação a batalha para salvar o mandato.

Se isso acontecer, são maiores as chances de uma vitória de Berzoini, que disse desejar a saída de Dirceu mas não a exigiu para substituir Tarso. Não acontecendo isso, crescem as chances de uma unidade entre as correntes de esquerda para arrebatar o comando do partido, o que representaria o pior dos mundos para o governo e o presidente Lula, que passariam a ter o próprio PT na oposição, atacando a política econômica, rompendo as alianças que restam e desenhando para 2006 um projeto alternativo à recandidatura de Lula, embora ele ainda não se tenha decidido.

Houve muita irritação interna com Dirceu mas agora ela é maior com Tarso, ao ponto de já se ouvir que ele buscou mesmo foi um atalho para deixar o governo, onde estava insatisfeito com as restrições da Fazenda a seus projetos mais importantes no MEC, como a reforma universitária e a instituição do Fundeb. Após deixar o Ministério, ele subiu o tom de suas críticas à política econômica e chegou a dizer que hoje não teria um argumento para pedir a um eleitor que vote no PT. Outra estranheza, a de não ter ele feito um só debate com as outras tendências, falando apenas para fora. É importante dialogar com a sociedade nesta hora, dizem seus críticos, mas o partido tem uma vida interna que não pode ser ignorada. Agora é observar os movimentos de Tarso, que podem não se esgotar na desistência.

Em relação à eleição direta do próximo dia 18 entre os filiados, no flanco esquerdo estaria em visível crescimento a candidatura de Plínio de Arruda Sampaio, seguida das de Walter Pomar e Raul Pont. Discute-se uma eventual unificação, atraindo ainda a tendência Movimento PT (que tem como candidata a deputada Maria do Rosário). Mas mesmo esta unidade parece difícil num partido que nunca conseguiu deixar para trás a luta entre as tendências que estão na raiz de sua fundação.

A crise de resultados

Hoje o senador Renan Calheiros tenta pôr ordem nas CPIs, em sua guerra de egos e na falta de resultados, que produz neste momento dois discursos antagônicos. A oposição atribui a patinação, sobretudo da CPI dos Correios, a manobras que o governo estaria fazendo para impedir o avanço das investigações. Entre elas, lentidão no fornecimento de documentos e barragem de algumas convocações. Seria a pizza ¿light¿, feita com a massa fina da dissipação e do esquecimento.

Já o governo diz que é o mais interessado nos resultados, e que a oposição, não encontrando provas de dinheiro público no abastecimento do valerioduto, ensaia culpá-lo pelo fiasco. O governo deve partir agora para a cobrança de resultados e neste sentido é que o presidente Lula pediu ontem um relatório das conclusões já tiradas pela Polícia Federal. Celebrou-se ontem, na reunião do gabinete de crise, a decisão da CPI dos Correios, de adotar o relatório da CGU, apontando 525 irregularidades na estatal, como núcleo de seu primeiro relatório parcial.

Pensando a crise

O Fórum Nacional que o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso realiza todo ano no Rio, no segundo semestre do ano, terá uma edição especial voltada para a crise política. Acontecerá na quinta-feira, dia 1º , em Brasília, no auditório da CNI, tendo como tema ¿Reforma das Instituições do Estado brasileiro - Executivo, Legislativo e Judiciário¿. Sem uma reforma ampla nos três poderes, que vá além da reforma política em discussão, diz Velloso, daqui a pouco teremos outra crise como a de agora.

Participam dos debates o presidente do Congresso, Renan Calheiros, e o do STF, Nelson Jobim, os ministros Thomaz Bastos (Justiça), Palocci (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento), o governador Alckmin, de São Paulo, os cientistas políticos Fábio Wanderley Reis e Luciano Martins, os deputados Paulo Delgado e Delfim Netto, o ex-ministro Bresser Pereira e o próprio Velloso.

EM RESPOSTA à nota saída aqui, o Pnud admite uma dívida para com o governo brasileiro, decorrente de um encontro de contas sobre convênio firmado em 1999, mas reclama do tom usado, como se estivesse havendo ¿deliberada apropriação indébita de recursos financeiros¿. Buscando o acerto, diz ter devolvido em junho a quantia de US$295 mil, restando em discussão um crédito de US$390 mil. O que se quis aqui foi destacar a demora no acerto, não atacar a honradez da agência da ONU que efetivamente presta serviços importantes ao país, sobretudo na avaliação dos indicadores de desenvolvimento.