Título: EMPRESAS INVESTEM NO EXTERIOR
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 30/08/2005, Economia, p. 19

Volume de negócios em outros países sobe 76,7% no ano e atinge US$72 bi

Os investimentos diretos (na produção) brasileiros no exterior chegaram a US$2,1 bilhões nos sete primeiros meses deste ano, um crescimento de 76,7% em relação ao mesmo período de 2004, elevando o estoque total declarado até julho para US$72,8 bilhões. Entretanto, apesar do aumento do fluxo e do estoque, a receita de lucros e dividendos resultantes destes empreendimentos caiu 27,7% nos sete primeiros meses do ano, ficando em apenas US$361 milhões, segundo levantamento realizado por Reinaldo Gonçalves, professor titular de economia internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para ele, a valorização do real está provocando um forte movimento de saída de recursos destinados à compra de ativos fora do país, sem contrapartida em termos de repatriação de capitais. É um movimento na direção contrária do que vem sendo feito pelos imigrantes brasileiros, que vêm ampliando as remessas de recursos para a terra natal, segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Gonçalves destaca que o estoque de investimentos diretos brasileiros no exterior já tinha chegado a US$70,7 bilhões, com expansão de 28,8% sobre 2003, montante superior ao total de reservas cambiais acumulado pelo país (pouco mais de US$50 bilhões). Mesmo excluindo os empréstimos feitos pelas empresas brasileiras a suas subsidiárias fora do país, o estoque de investimentos diretos chegou a US$55 bilhões, considerado elevado.

Segundo Gonçalves, a lógica dos investimentos brasileiros em outros países costuma ser diferente da adotada pelas empresas americanas, que dão prioridade às remessas de lucros para a sede, contribuindo com o balanço de pagamentos dos seus países de origem. O risco, afirma, é esses investimentos brasileiros se transformarem em estratégia de saída do Brasil e não de retorno.

A internacionalização de empresas, com instalação de estruturas de vendas, assistência técnica, distribuição e produção no exterior é apontada por técnicos do BNDES como um passo à frente na inserção dos produtos brasileiros no mercado internacional. Por isso, o banco vai passar a financiar projetos de internacionalização, mas com o cuidado de impor restrições que garantam a volta desses recursos para o país.

Sucesso na estratégia é restrito

O momento é bom para pôr o pé lá fora, admite o empresário Marco Aurélio Fontes, dono do Café Campanha, que produz e comercializa café para degustação. Sua empresa enviou a primeira amostra do produto para o exterior em novembro do ano passado e, em março deste ano, embarcou 240 quilos do produto para a Suíça.

- Temos um produto diferenciado e, por isso, vamos fechar mais um lote de mil quilos antes do fim do ano, apesar do dólar desfavorável - prevê Fontes.

O empresário está engatinhando no mercado externo, motivado não pela maré favorável no mercado internacional ou por retração da demanda interna: ele busca uma inserção estruturada no setor externo.

Mas poucas empresas conseguiram ter sucesso nesse tipo de estratégia. Um exemplo é a Weg, considerada multinacional brasileira desde 2000. Segundo o presidente executivo da empresa, Décio da Silva, apesar de afetada pelo câmbio desfavorável, há uma estratégia de longo prazo e, justamente por isso, a Weg adquiriu no fim do ano passado uma fábrica na China, que vem apresentando altas taxas de crescimento e consumo interno.

- As fábricas no exterior, aliadas às filiais, atendem com produtos específicos para cada mercado - afirma o presidente da Weg.

CORPO A CORPO

PAULO NOGUEIRA BATISTA JÚNIOR

'A posição externa do país ainda não está consolidada'

A recente valorização do real já foi longe demais, afirma o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Para ele, o país está se beneficiando da conjuntura mundial favorável, mas não pode contar com isso para sempre. É preciso ter uma estratégia de autodefesa que inclui adoção de "taxa de juros civilizada e de câmbio mais competitivo", diz ele, que também aborda o tema no recém-lançado livro "O Brasil e a economia internacional" (Editora Campus/Elsevier).

Nos últimos anos, o Brasil conseguiu transformar em superávits os déficits da balança comercial e do balanço de pagamentos. A situação externa favorável está consolidada?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JÚNIOR: Houve melhora na situação externa do Brasil, que remonta à mudança do regime cambial, em 1999, e à conseqüente desvalorização do real. Os primeiros resultados substanciais apareceram em meados de 2002 e se consolidaram em 2003 e 2004, com aumento das exportações, substituições de importações por bens e serviços nacionais e transformação em superávit do déficit em conta corrente. Desde fins de 2004, as reservas internacionais líquidas começaram a crescer. Todos esses aspectos traduzem melhorias, mas a posição externa do país ainda não está consolidada. É preciso sempre tomar cuidado com isso. O presidente John Kennedy costumava dizer a seus assessores que as duas coisas que ele mais temia eram a guerra nuclear e o balanço de pagamentos.

O que provocou essas melhorias?

PAULO NOGUEIRA: Os setores exportadores e os que competem com importações deram uma resposta maior que a esperada ao estímulo da depreciação do real, a partir de 1999. Houve políticas de promoção das exportações, mas o que pesou mais, inicialmente, foi a mudança cambial e a reação das empresas. Recentemente, contribuíram as condições favoráveis da economia mundial: comércio dinâmico, aumento dos preços de produtos importantes na pauta de exportações do Brasil e recuperação de um dos nossos principais parceiros, a Argentina, que cresceu 9% ao ano nos últimos dois anos e meio, além da demanda da China e dos Estados Unidos.

É uma situação confortável?

PAULO NOGUEIRA: O nível de reservas cambiais do Brasil subiu, mas ainda não é suficiente se comparado ao de outros países em desenvolvimento. As nossas reservas brutas ficam pouco acima de US$50 bilhões, enquanto as da Índia estão em torno de US$130 bilhões, as da Coréia, de US$200 bilhões, e as de Taiwan, de US$250 bilhões. Além disso, há uma excessiva liberdade de entrada e saída de capitais no Brasil.

Como consolidar os avanços e evitar retrocessos, caso a conjuntura internacional mude?

PAULO NOGUEIRA: A recente valorização do real já foi longe demais e ameaça reverter os avanços conquistados, porque está havendo perda de rentabilidade das exportações e dos setores que disputam o mercado interno com importações. Não há crise à vista no balanço de pagamentos, mas a sobrevalorização do real está diminuindo o ritmo das vendas externas. As despesas com turismo no exterior e as remessas de lucros e dividendos para fora do país estão aumentando rapidamente, o que reflete em parte o aumento do equivalente em dólares dos lucros gerados em reais no Brasil. Já as importações estão reagindo pouco ao câmbio, talvez devido ao pequeno crescimento da economia brasileira e do investimento. O Brasil não crescerá sem uma estratégia de autodefesa, organizada e sistemática, baseada em juros mais civilizados e taxa de câmbio mais competitiva. (Mariza Louven)

INCLUI QUADRO: O CAMINHO DO DINHEIRO APLICADO FORA DO BRASIL