Título: E o Congresso ainda se dá 15%
Autor: Maria Lima/Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 01/09/2005, O País, p. 3
Câmara e Senado derrubam veto de Lula pela primeira vez para dar reajuste a servidores
A fragilidade da base governista, aliada à pressão dos servidores e ao corporativismo dos parlamentares de todos os partidos, impôs ontem importante derrota ao governo no Congresso Nacional. Sem maioria, os próprios líderes governistas tiveram de avalizar o acordo partidário que permitiu a votação e derrubada do veto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao aumento de 15% para os salários dos servidores da Câmara e do Senado. Foi o primeiro veto de Lula derrubado no Congresso e pode provocar uma onda de aumentos nos legislativos estaduais.
Com a derrubada do veto, os parlamentares se beneficiam indiretamente, pois a verba de gabinete sobe de R$44.187 na Câmara para R$50.815. No Senado, a verba limpa para contratação de funcionários de cada senador sobe de R$70 mil para R$80.500. A média salarial na Câmara e no Senado é de R$9.500.
- A derrubada desse veto tem um significado perigoso. O Collor caiu sem ter qualquer veto derrubado. Isso, no presidencialismo, significa voto de desconfiança ao presidente da República - disse o líder da minoria, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA).
O impacto no orçamento da Câmara e Senado será de mais de R$500 milhões por ano. A folha de pagamento do Legislativo consome quase R$4 bilhões por ano.
- A oposição negociou a votação desses dois vetos, em troca impedimos que fossem votados cerca de 70 outros vetos que tratam de questões fiscais. Se derrubados, poderiam ter um impacto de R$40 bilhões na economia. Foi prudente para o governo essa opção - disse o líder do governo, senador Aloizio Mercadante (PT-SP), admitindo que seria um risco, com a base fragilizada, deixar que os outros vetos fossem votados.
'Todo mundo ajudou na derrubada'
O aumento aos servidores é retroativo a janeiro de 2005, mas a prioridade agora é pagar o novo salário corrigido a partir do mês que vem, com um acréscimo de cerca de R$20 milhões mensais na Câmara e Senado. Os atrasados serão pagos depois, provavelmente em parcelas. Os meses de novembro e dezembro de 2004 já estavam sendo pagos, quando o STF derrubou o reajuste concedido via decreto legislativo para a Câmara, Senado e TCU. Na época, o STF ordenou que o aumento fosse aprovado por projeto de lei. Aprovadas as leis, veio o veto presidencial. O veto ao reajuste do TCU ainda não foi votado.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), confirmou que a derrubada do veto foi resultado de um acordo de líderes. Segundo ele, o governo cometeu um engano ao tratar esse reajuste como um aumento de salário.
- Esse reajuste foi dado como conseqüência do reajuste dado pelo Executivo no primeiro ano do governo Lula. Tanto que Câmara e Senado pagaram em outubro, novembro e dezembro e também o 13º salário. Todo mundo ajudou na derrubada do veto.
O veto ao aumento do Senado foi derrubado com o voto de 61 senadores e, depois, por 370 deputados. Eram necessários, respectivamente, apenas 41 e 257 votos.
O primeiro-secretário do Senado, senador Efraim de Morais(PFL-PB), contestou os dados de Mercadante, e afirmou que existe dotação orçamentária para cobrir o aumento.
A pressão dos servidores na Câmara e no Senado foi enorme e constrangeu deputados e senadores. Alguns disseram que foram acompanhados às cabines para influenciar o voto.
No debate, durante a sessão, os deputados defenderam abertamente o aumento dos servidores. O deputado Wladmir Costa (PMDB-PA) disse que a vitória sobre Lula seria comemorada em um jantar que aconteceria ontem na casa de Renan Calheiros, oferecido a parlamentares entre os quais se incluía.
Governo deve recorrer ao Supremo
Planejamento teme efeito-cascata do aumento para servidores
BRASÍLIA. O governo ainda analisa a possibilidade de recorrer à Justiça contra a derrubada, ontem pelo Congresso, do veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à proposta de aumento de 15% para os servidores do Legislativo. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, recomendou que o presidente recorra ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ontem à noite o presidente se reuniu com o ministro e com a assessoria jurídica do Planalto para decidir como isso será feito.
- O presidente respeita a decisão institucional do Legislativo, mas obviamente não ficou contente - disse o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS), após encontro com Lula no Planalto.
O Ministério do Planejamento quer que o governo recorra à Justiça por causa do provável efeito-cascata e da elevação das despesas. Paulo Bernardo consultou sua assessoria jurídica e recebeu a resposta de que era possível recorrer ao STF com uma ação direta de inconstitucionalidade, como propôs o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Mas há ministros que acreditam que o governo será derrotado no Judiciário.
- A derruba dos vetos atende a interesses corporativos, embora o aumento seja muito justo. De acordo com o artigo 169 da Constituição, o aumento só pode ser pago com dotação orçamentária. Como não existem esses recursos previstos, por isso, ao país não interessa a derrubada desses dois vetos - disse o ministro de Relações Institucionais, Jaques Wagner, por meio de sua assessoria.
A avaliação no Planalto é de que a derrota unificou a vontade da oposição de demonstrar a fraqueza do governo e a falta de empenho dos presidentes da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em derrubar uma proposta que beneficia os servidores. (Cristiane Jungblut)
Legenda da foto: OS DEPUTADOS Mentor, Luizinho, Dirceu, Delfim e Chinaglia no plenário durante a derrubada do veto