Título: CPIs recomendam cassação de 18 deputados
Autor: Adriana Vasconcelos
Fonte: O Globo, 01/09/2005, O País, p. 8

Texto de 53 páginas dos relatores das comissões, Abi-Ackel e Serraglio, será votado hoje em sessão conjunta

BRASÍLIA. Os relatores da CPI dos Correios, Osmar Serraglio (PMDB-PR), e da CPI do Mensalão, Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), concluíram ontem à noite o primeiro relatório parcial sobre as investigações do suposto esquema de pagamento de mesada a políticos aliados pelo PT, recomendando a abertura de processo por quebra de decoro contra 18 deputados. O relatório sustenta a existência do mensalão, a partir da confirmação de "obtenção de vantagem ilícita", e tenta desmontar a tese dos empréstimos que o empresário Marcos Valério teria feito ao PT.

O relatório, de 53 páginas, incluiu ainda Valdemar Costa Neto (PL-SP), que já renunciou para não correr o risco de perder os direitos políticos com a cassação. Terão processos encaminhados ao Conselho de Ética da Câmara todos os deputados que sacaram, pessoalmente ou por meio de assessores e familiares, dinheiro das contas de Valério. A lista inclui ex-estrelas petistas, como os deputados José Dirceu (SP) e João Paulo Cunha (SP).

Logo no preâmbulo, o relatório ratifica a existência do pagamento de mesadas aos parlamentares. "O que menos importa é a periodicidade dos pagamentos. Alguns podem ter sido mês a mês, outros com maior ou menor periodicidade. O fato relevante, do qual não podemos nos afastar, é o recebimento de vantagens ilícitas (...) sendo desimportante a denominação que se dê", diz um trecho.

Críticas ao uso do caixa dois

O texto ainda faz duras críticas à utilização de caixa dois por parlamentares beneficiados pelos saques nas contas de Valério. "Quem admite caixa dois confessa crime eleitoral, o que por si só é merecedor de severa reprimenda porque aceita a burla da eleição. Caixa dois que tenha vínculo contratual com a administração pública, é ainda muito mais grave do que caixa dois que tenha como fonte empresa privada. Caixa dois de várias dezenas de milhões reais bate contra outra vedação: o abuso do poder econômico. Isso faz supor a possibilidade literal de compra de eleição", ressaltam os relatores.

O relatório que pode ser submetido a votação ainda hoje desmonta a versão apresentada por Marcos Valério e pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares de que os repasses para pagar dívidas de campanha eram sustentados por empréstimos contraídos ora pelo PT, ora pelo empresário mineiro. "Para explicar esse nebuloso esquema, é perfeitamente plausível a tese de que os empréstimos foram simulados para dar aparência lícita a dinheiro de origem ilícita, que seria destinado ao bolso de políticos sob o falso argumento do pagamento de dívidas passadas", acrescenta outro trecho.

O relatório condena também a utilização de diretorias de estatais, como Correios, IRB, Dnit e Eletronorte, para "induzir empresas contratadas pela administração pública a contribuir com partidos como se isso, inevitavelmente, não fosse adicionado ao custo dos serviços, obras ou produtos, que por fim oneram a própria população".

O nome de Dirceu consta do relatório, apesar das gestões que ele fez ontem junto a Abi-Ackel. Procurado de manhã por Dirceu, que já constava da lista de Serraglio, Abi-Ackel admitiu que achava "sólidos" a defesa do petista, que alega não poder ser julgado politicamente por atos cometidos quando estava licenciado do mandato.

- O deputado José Dirceu vai entrar no Supremo Tribunal Federal com uma ação sustentado que não estava subordinado ao Código de Ética da Câmara por não estar no exercício parlamentar. Como advogado, examinei a tese e observei argumentos sólidos. A ação não é desprovida de sentido - observou o relator da CPI do Mensalão.

- Já há precedentes de perda de mandato fora do exercício. Mas quem vai apreciar em última instância é o Conselho de Ética - insistiu Serraglio.

Outra preocupação dos dois relatores foi graduar as provas existentes em relação a cada um dos citados, começando pelas documentais, depois pela confissão, em seguida os acusados pelo deputado Roberto Jefferson e outras testemunhas.

- É impossível se imaginar que não haverá cassações. Vou cumprir minha obrigação. Os arrolados estão sujeitos a exame por quebra de decoro parlamentar. Todos terão os nomes enviados ao Conselho de Ética - disse Serraglio.

Aprovado, o relatório conjunto vai para o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), a quem caberá mandar ao Conselho de Ética.

A hora de Jefferson

Conselho de Ética vota cassação hoje

BRASÍLIA. O Conselho de Ética da Câmara deve aprovar hoje, com uma margem folgada de votos, a cassação do mandato do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), autor das denúncias que geraram a maior crise política do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Jefferson, que está também na lista de "cassáveis" do relatório conjunto das CPIs dos Correios e do Mensalão, vai perder o mandato por quebra do decoro parlamentar. Ao fazer suas acusações, ele confessou vários crimes, entre os quais os de sonegação fiscal, tráfico de influência e crime eleitoral. O relatório do deputado Jairo Carneiro (PFL-BA), pela cassação, deverá ser aprovado com, no mínimo, onze votos a favor. Depois disso, será feita a votação em plenário.

Jefferson não comparecerá à reunião do conselho, prevista para começar às 9h30m. Procurado ontem, o deputado mandou dizer que não daria entrevista nem comentaria a votação de hoje. Cada um dos 28 conselheiros (15 titulares e 13 suplentes) terá dez minutos para manifestar sua posição, mas apenas os 14 titulares (o 15º é o presidente do conselho) terão direito a voto, que será declarado de forma aberta e no microfone. A votação não é secreta, ao contrário do que acontece no plenário, quando os pedidos de cassação são votados em cédula e mantidos em sigilo.

Legenda da foto: ABI-ACKEL E SERRAGLIO reunidos para concluir o primeiro relatório parcial sobre as investigações