Título: MAQUIADORES ENQUADRADOS
Autor: Ramona Ordoñez/Martha Beck/Fabiana Ribeiro/Ronaldo
Fonte: O Globo, 31/08/2005, Economia, p. 21

Multas contra 32 empresas por maquiar produtos chegam a R$17 milhões

Uma prática prejudicial aos consumidores - a maquiagem de produtos -- resultou ontem na punição de 32 empresas pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça. As multas variaram de R$70.940 a R$591.163 e somaram R$17,2 milhões, em 49 processos instaurados entre 2001 e 2004. A maior parte dos casos envolveu o setor de alimentos, mas houve processos nas áreas de limpeza, higiene, perfumaria e medicamentos. As empresas ainda podem recorrer.

Segundo o diretor do DPDC, Ricardo Morishita, a maquiagem de produtos é grave, pois afeta o direito de escolha dos consumidores na hora da compra. A prática envolve a redução do conteúdo de embalagens sem que isso seja informado ao público de forma clara. Essa conduta faz com que, em muitos casos, o consumidor também enfrente um aumento de preços disfarçado. Isso porque há empresas que reduzem a quantidade de produto nas embalagens, mas não modificam os valores cobrados.

- A maquiagem afeta o poder de escolha dos consumidores. Eles não percebem as mudanças no produto e, por isso, não têm a chance de optar por outro - disse Morishita.

A Unilever foi a empresa mais punida pelo DPDC. Foram sete processos nas áreas de alimentos, produtos de limpeza e de higiene pessoal. Num dos casos, ela foi multada em R$591.163 por ter reduzido de um quilo para 900 gramas a quantidade de sabão em pó nos produtos Omo, Campeiro, Minerva e Brilhante. A mesma empresa também foi multada em R$472.930 por ter reduzido de 60 gramas para 57 gramas a quantidade nas embalagens de caldo Knorr. As multas da empresa somaram R$2,6 milhões.

Já a Nestlé respondeu a seis processos no DPDC. Num deles, a empresa foi multada em R$591.163 por ter reduzido de 200 gramas para 180 gramas a quantidade nas embalagens do biscoito Passatempo. Ela também terá que pagar outra multa neste valor por ter reduzido as quantidades na linha de caldos Maggi. No total, as multas da Nestlé somaram R$3,5 milhões.

A Kraft Foods, que fabrica refrescos como Tang e Fresh e o biscoito Club Social, recebeu o terceiro maior valor total de multas, com R$1,229 milhão. Morishita explicou que o valor das punições foi calculado de acordo com a condição econômica das empresas, a gravidade da infração e a vantagem obtida com a prática.

O diretor do DPDC destacou que o combate à maquiagem de produtos é um dos principais focos de atuação do órgão. Segundo ele, até janeiro de 2003 dezenas de processos haviam sido instaurados, mas apenas um deles havia sido concluído na esfera administrativa. Por isso, o Departamento passou a dar prioridade ao tema, analisando os casos de maquiagem com maior rapidez e concluindo processos que já estavam instaurados.

Denúncias têm diminuído no país

Segundo Morishita, é graças a esse trabalho que o número de denúncias contra empresas que maquiam seus produtos tem diminuído nos últimos anos. Ele também lembrou que o perfil dos casos melhorou. Num primeiro momento, não havia qualquer informação nas embalagens explicando as reduções de quantidade. Agora, essa informação está presente, mas não de forma clara.

- As multas aplicadas pelo DPDC têm ajudado a combater a prática da maquiagem - afirma a advogada Lumena Sampaio, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Lumena, no entanto, afirma que os consumidores precisam continuar atentos. Segundo ela, muitos produtos ainda não têm normas técnicas sobre como mudanças devem ser informadas aos clientes. Isso acaba facilitando infrações.

A Unilever disse que ainda não foi notificada das multas e que, por isso, não iria se pronunciar. Esta foi a mesma posição da Gillette do Brasil. A Nestlé também informou que não vai se pronunciar até a notificação oficial, mas ressaltou, em nota, que "sempre primou pelo total respeito ao consumidor, buscando atender às suas expectativas em relação aos produtos e serviços".

A Kraft Foods, multada em cinco processos, disse que vai recorrer da decisão. A Danone, multada em dois processos, disse que comunicou os consumidores sobre mudanças feitas nas embalagens de seus produtos. A Akari, fabricante de produtos de perfumaria multada em dois casos, informou que cumpriu todas as normas sobre informação aos consumidores e que já apresentou defesa sobre o assunto.

A PepsiCo do Brasil (autuada pela redução das quantidades em produtos como Doritos e Pingo D'ouro), o Carrefour (multado por diminuir o número de fraldas) e a Bauducco (punido por diminuir as embalagens de seus biscoitos) também alegaram não terem sido notificados pelo DPDC.

O Laboratório Farmaervas diz que reduziu, há alguns anos, de 320ml para 250ml a quantidade de xampus e do condicionador Jaborandi. Segundo Walmir Paulino, diretor da empresa, na alteração houve mudança de fórmula (introdução de proteína de trigo). E por isso, alegou, não foi possível reduzir o preço. O produto, acrescentou, voltou ao formato original (320ml) em meados de 2002:

- Na embalagem, informamos ao consumidor que o produto vinha com nova fórmula.

O FIO DA MEADA

Quatro anos de espera

A apuração de irregularidades pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça enfrenta longo trâmite - por isso, processos instaurados em 2001 só agora tiveram desfecho. As denúncias contra empresas por maquiagem costumam ser apresentadas ao DPDC por Procons, ministérios públicos estaduais e outros órgãos de defesa do consumidor. Os técnicos fazem avaliação das informações e vêem se há motivo para abrir processo administrativo.

Caso o processo seja instaurado, os técnicos fazem análise mais detalhada e, se comprovarem irregularidade, aplicam multas que variam de R$200 a R$3 milhões. Após encerrar o processo - o que ocorreu com as 32 empresas divulgadas ontem - as firmas podem apresentar recurso ao secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça.

As empresas multadas terão dez dias para recorrer. Caso o pedido seja recusado, os recursos administrativos se esgotam, mas elas podem ir à Justiça comum. Em 2002, o DPDC recebeu mais de 80 denúncias de maquiagem. Mas com equipe de cerca de 25 técnicos, a tramitação dos processos foi lenta. Só em 2003, quando deu prioridade ao problema, a conclusão dos casos foi acelerada.