Título: PALOCCI DIZ QUE EM 2006 PAÍS VERÁ QUE A CRISE POLÍTICA NÃO AFETOU ECONOMIA
Autor: Mariza Louven/Luciana Rodrigues/Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 31/08/2005, Economia, p. 22

Para ministro, Brasil não será afetado nem agora nem nos próximos meses

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, garantiu ontem que a economia brasileira não será afetada, nem agora nem nos próximos meses, pela crise política. Palocci chegou a afirmar que, daqui a um ano, quando os analistas se debruçarem sobre os números da economia, perceberão sua solidez frente à atual turbulência. Segundo o ministro, a estabilidade econômica está amparada no bom desempenho das contas externas, graças ao vigor das exportações, e nos resultados fiscais consistentes do governo. Palocci, que encerrou ontem no Rio o VI Seminário de Metas de Inflação do Banco Central (BC), arriscou um cenário para o encontro de 2006:

- No seminário do ano que vem, um dos temas em destaque será a resistência que, sem dúvida, terá sido demonstrada pela economia brasileira às incertezas políticas que o país atravessa neste momento.

Palocci ressaltou que, em 2005, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficará dentro da meta pelo segundo ano consecutivo. E o IPCA de 2005 será o menor desde 1999, quando o país adotou o câmbio flexível e o país passou a usar o regime de metas de inflação.

Ex-FMI: país poderia crescer a taxas de 7% ao ano

O ministro também destacou o compromisso do governo com a redução da dívida pública. O Congresso Nacional aprovou, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), um mecanismo de superávit anticíclico, pelo qual o governo fará um esforço fiscal menor em momentos de baixo crescimento econômico. Mas o governo deverá condicionar esse mecanismo à queda da dívida pública. Sem mencionar o superávit anticíclico, Palocci frisou ontem que a responsabilidade fiscal é um compromisso do presidente Lula.

- Não deve haver qualquer dúvida em relação à dinâmica desse processo. Com os superávits primários que estamos gerando e continuaremos a gerar no futuro, a dívida cairá mais rápido em anos com resultados macroeconômicos mais favoráveis e mais devagar em conjunturas menos favoráveis. A trajetória de médio prazo para nosso endividamento é claramente de queda.

Apesar da inflação sob controle e do compromisso fiscal destacados por Palocci, o histórico do Brasil prejudica o crescimento do país, para o economista Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard, que participou do seminário. Segundo ele, que foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), não fosse o histórico de inflação alta e de inadimplência externa, o país poderia crescer a taxas de 7% ao ano.

Meirelles: taxa da indústria do país é destaque no mundo

Mas o presidente do BC, Henrique Meirelles, disse que a expansão industrial, de cerca de 1% em maio e 1,7% em junho, aponta para taxas anualizadas entre as mais elevadas do mundo e atesta o vigor da economia - a ser conferido hoje, quando o IBGE divulga o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas geradas pelo país) no segundo trimestre.

Meirelles disse que não há opção de crescimento com um pouco mais de inflação: preços sob controle são condição para o crescimento e, conseqüentemente, para redução da pobreza e da desigualdade social. Por isso, equilíbrio cambial e queda dos juros também passam por uma inflação compatível com as metas fixadas pelo BC:

- Não há solução mágica.

Um dos maiores especialistas do mundo em política monetária, Rogoff lembrou que o Brasil ficou inadimplente sete vezes desde 1900, o que aumenta os desafios e as dificuldades no controle da inflação. Por isso, apesar de a economia mundial estar crescendo e apresentando taxas de inflação em níveis historicamente baixos, além de o país ter vantagens comparativas - como oferta abundante de matérias-primas - seu crescimento não decolou.

O Brasil tem uma relação entre dívida pública e PIB alta em relação a outros países emergentes, disse Rogoff. O ideal seria algo em torno de 6% a 7%. O economista reconheceu que foram realizadas reformas importantes no país, mas não rapidamente o suficiente em relação ao resto do mundo. Ele defendeu ainda a independência do Banco Central, pois acha que isto acrescentaria mais credibilidade à política monetária.

O economista Paulo Guedes, que participou do seminário, destacou a gravidade da crise atual e disse que a atuação do BC na condução da política econômica reduziu o contágio nos mercados financeiros.

- Hoje vivemos possivelmente a crise mais séria de todo o período recente da nossa história, mas nem se percebe. Há paz absoluta aqui dentro (do BC) e as perspectivas são as melhores. Só tenho motivos para comemorar e parabenizar o BC.

Economistas defendem autonomia do Banco Central

Segundo ele, a boa condução da política monetária definirá resultado das eleições presidenciais de 2006:

- Quando o exercício é bem feito até parece que tinha alguma coisa política por trás. Como é que posso eleger o próximo presidente? Bom, se no ano que vem tem eleições, vamos ter rápido crescimento, com juro declinante e o câmbio subindo devagarinho. E como é que se produz isso? Se no ano anterior, que é este, estivermos apertando ao máximo (a política monetária) até meados do ano, para que dali para frente a inflação quebre a espinha, seja decepada e a gente comece devagarinho a sinalizar (corte de juros). Quer dizer, trabalho bem feito até elege gente que de outra forma nem seria (eleita).

O economista e o ex-secretário-executivo do ministério da Fazenda Amaury Bier, defenderam a autonomia do BC.

- O tema é relevante para que as virtudes ou defeitos dos governantes e homens que ocupam cargos públicos não tenham o peso que teriam em outras circunstâncias sobre a capacidade do BC. A forma de proteger o BC é avançar na sua autonomia - disse Bier.

Clima tenso no corredor

Acesso da imprensa é restringido

A confiança mostrada por Palocci na economia contrastava com a tensão nos corredores em torno de sua chegada. Pela primeira vez em seis anos, foi restringido o acesso da imprensa ao seminário. De manhã, os jornalistas acompanharam de perto as palestras. Mas à tarde, quando houve a participação de Palocci, a orientação da segurança era para só autorizar a gravação de imagens, com os demais repórteres assistindo às apresentações numa tela na sala ao lado.

No intervalo, as conversas do público (analistas de bancos, acadêmicos e técnicos do BC) giravam em torno da crise política. Muitos queriam saber sobre o depoimento do chefe de gabinete de Palocci, Juscelino Dourado, à CPI dos Bingos, que seria ontem e foi adiado para hoje.