Título: LIVRO MOSTRA EMPOBRECIMENTO DAS METRÓPOLES
Autor: Ênio Vieira
Fonte: O Globo, 31/08/2005, Economia, p. 27

Trabalho do Ipea revela como aumento de desemprego e falta de saneamento afetam grandes cidades do país

BRASÍLIA.O Brasil apresentou no últimos anos uma "metropolização da pobreza", com o agravamento do desemprego e da informalidade no mercado de trabalho, e a falta de serviços como saneamento em grandes cidades. Houve melhora em indicadores como mortalidade infantil e escolarização, mas o setor público perdeu a capacidade de investir numa rede de proteção e em melhorias na infra-estrutura, porque chegou ao limite de gasto e ampliação de receitas com impostos.

O retrato de um país com orçamento engessado e grandes cidades inchadas e empobrecidas foi traçado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e está no livro "Brasil, o estado de uma nação". São 369 páginas elaboradas por um grupo de 60 pesquisadores, cujo objetivo é auxiliar na formulação de políticas públicas.

- A proposta é publicar a cada ano um volume que analisa e interpreta o Brasil. Às vezes, é uma visão distinta e que entra em contradição com a do governo - afirmou o presidente do Ipea, Glauco Arbix.

O livro mostra que o número de pobres e indigentes no país caiu de 54,5 milhões em 1993 para 49 milhões em 2002, com um modesto crescimento da renda (11,6%) para quem ganhava até meio salário-mínimo. A redução da pobreza, porém, não se traduziu em mais mobilidade social, que se compara hoje à dos países europeus do início da década de 70 e à do Chile de 2000.

O economista Hamilton Tolosa coordenou os trabalhos sobre exclusão social e avaliou que a pobreza se concentrou nas metrópoles - como Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Salvador - fenômeno motivado pelo estrangulamento da oferta de saneamento básico, e da renda, conseqüência da explosão do desemprego e do pífio crescimento econômico.

- O Brasil chegou a ter políticas específicas para evitar o inchaço das regiões urbanas, mas hoje não tem mais. Infelizmente, aquelas políticas não produziram o efeito esperado. Todos os países passam por isso (agravamento dos problemas nas metrópoles). A questão do Brasil foi a velocidade em que isso ocorreu - explicou Tolosa.

O diagnóstico conclui ainda que o governo acabou com a inflação, mas isso não levou a absorção de jovens que chegam ao mercado de trabalho. Em 2005, o país atingiu o pico da população jovem entre 15 e 24 anos e deverá fazer mais uma reforma de Previdência para viabilizar as futuras aposentadorias.

O economista Fernando Rezende, da Fundação Getulio Vargas, que coordenou o texto sobre o nó fiscal, diz que o modelo atual de ajuste é insustentável diante da fragilidade das contas do governo, fruto da Constituição de 1998: de um lado, sobram transferências de recursos a estados e municípios; de outro, sobram obrigações, especialmente as sociais.

O livro aponta ainda dados que afetam o padrão de desigualdade do país mas estão aparentemente longe da economia. É o caso do acesso ao Judiciário: segundo o estudo, a Região Nordeste tem um processo por 138 habitantes. No Sudeste, a proporção é de um para cada 20 pessoas.