Título: A DESORDEM NO LIMITE DA CRIMINALIDADE
Autor:
Fonte: O Globo, 31/08/2005, Especial, p. 1

Camelôs, mendigos e menores de rua são porta aberta para violência

Dia 23, 14h30m, na Rua de Santana, Centro: um menino de rua, aparentando ter 7 anos, vê um garoto de 10 folheando um álbum de figurinhas. Ele pede o álbum. Diante da negativa, afasta-se, retira os chinelos e tenta roubar o seu objeto de desejo. Os dois brigam e o menino de rua sai correndo diante da aproximação de adultos.

Cenas envolvendo meninos de rua, mendigos e camelôs fazem parte do cotidiano da cidade e amedrontam os cariocas. Problemas às vezes pequenos, mas que, no futuro, podem se transformar em grandes. E que já se refletem no número de assaltos a pedestres, que em 2004 chegou a 22.256, 18,5% a mais que em 2000.

- Tenho trauma de mendigo e de menor de rua. Nunca se sabe até que ponto são inofensivos - diz a técnica em programação visual Sheila Carvalho, na Praça Almirante Custódio de Melo, na Lagoa, ao observar um mendigo que dormia na calçada.

Perto dali, a estudante de educação física Ananda Veras, de 18 anos, passa em frente a outro mendigo, que dorme na calçada da Avenida Lineu de Paula Machado. Ananda revela que tem mais medo de mendigos e menores de rua quando estão em grupos:

- Meninos que soltavam pipa tentaram me assaltar sem arma num domingo de tarde no Maracanã. A rua estava vazia. Os meninos me cercaram. Minha sorte foi que um rapaz passava de bicicleta. Ele espantou os garotos.

Mais adiante, ainda na Lineu de Paula Machado, encostada na grade da Hípica, Maria de Lurdes passa os dias coberta por um plástico preto. À noite sai para catar latas.

- Estou acostumado, mas os sócios da Hípica se assustam - diz o auxiliar de pista Alex Silva Lindolfo.

Prefeitura e estado não sabem quantas pessoas estão vivendo nas ruas. Como os meninos que se aglomeram junto a grades da Praça General Osório, em Ipanema, cheirando cola.

- Passo longe deles para não me arriscar - diz a professora Renata Guimarães, moradora de Ipanema.

Nas unidades da Secretaria estadual da Infância e da Juventude há 2.630 menores infratores internados, semi-internados ou sob o regime de liberdade assistida. E as estatísticas da 2ª Vara da Infância e da Juventude mostram que 3.407 menores foram detidos de janeiro a julho deste ano.

- Vivo em alerta, principalmente em relação aos menores. Ninguém sabe quem é quem - diz a estudante de museologia Ana Maria Guerra, de 22 anos, moradora de Copacabana.

Problema crônico em Copacabana

Segundo Horácio Magalhães, presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, a população de rua continua sendo um problema crônico no bairro:

- Há uma linha tênue entre carência e delinqüência. A necessidade faz com que muitos ultrapassem essa linha.

Guardas municipais têm restringido a presença de camelôs na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, pelo menos de dia. Mas os ambulantes têm ficado em ruas transversais.

Para o antropólogo Gilberto Velho, tamanha desordem urbana é reflexo da falta de uma política social e de segurança contínua e coordenada para lidar com os problemas das ruas:

- Não existe essa coordenação, especialmente entre a PM e a Guarda Municipal - diz Velho. - Meninos de rua, mendigos e camelôs estão misturados com furto, roubo, pirataria. Esse conjunto produz a insegurança na cidade.

Para reprimir pequenas infrações, 1.200 de jovens do projeto Voluntários da Paz trabalham em ruas e praças. Nos dois anos do programa, fizeram 200 autuações e efetuaram 300 prisões. Coordenador do projeto, o coronel Paulo Melo destaca que a grande causa da violência é a impunidade:

- O adolescente que se acostuma a furtar e a roubar, e não é punido, vai para crimes maiores. Pode até matar.

"Vivo em alerta, principalmente em relação aos menores. Ninguém sabe quem é quem"

ANA MARIA GUERRA

estudante universitária

"O adolescente que se acostuma a furtar e a roubar, e não é punido, vai para crimes maiores. Pode até matar."

CORONEL PAULO MELO,

coordenador do projeto Voluntários da Paz