Título: Brasileiras relatam angústia e caos no Superdome
Autor: Fernando Moreira
Fonte: O Globo, 01/09/2005, O Mundo, p. 31

Paranaense e mineira contaram às famílias que viram cenas de vandalismo, briga por comida e muitos mortos

A devastadora passagem do Katrina pelo Sul dos EUA também atingiu famílias no Brasil. Aflitas, elas tentam obter notícias de parentes que estavam na região durante a tempestade. Duas famílias que conseguiram contato, porém, estão apenas em parte aliviadas: o relato que ouviram sobre o Superdome - estádio onde estavam 23 mil desalojados e que ontem começava a ser evacuado - é assustador. Por telefone, duas brasileiras falaram que há muitos mortos, escassez de água e comida, cenas de disputa por sobrevivência e casos de suicídio.

A cantora Sue Helen Vassão, de Curitiba, teve na noite de terça-feira notícias da irmã, a publicitária Mônica Vassão, de 25 anos. Com a amiga Letícia Figueiredo da Silva Campos, de 21, ela visitava Nova Orleans no fim de semana e se refugiou no Superdome. A publicitária que faz intercâmbio cultural nos EUA, relatou por celular que há mortos e que faltavam água e alimentos. O que restou, disse ela, era disputado com ferocidade.

- Ela contou que estavam se formando grupos rivais para disputar o pouco de água e comida que restava. Eles estão brigando entre si, estão se matando. A Mônica disse que outras pessoas não estão suportando o sofrimento e estão se suicidando - disse Sue Helen.

Segundo consulado, há mais de 10 brasileiros no local

O Consulado do Brasil em Houston, Texas, informou que, como Nova Orleans está inacessível, vai esperar a transferência dos brasileiros para a cidade onde se encontra a representação, para então encaminhá-los ao Brasil ou a outro local dos EUA. O governo da Louisiana determinou a desocupação total de Nova Orleans em até dois dias, já que há risco de transmissão de doenças. De acordo com o consulado, há pelo menos uma dezena de brasileiros em hotéis da cidade à espera de resgate.

- Mônica está no limite das forças. Ela sempre foi meio medrosa e dependente. Não queria voltar tão cedo ao Brasil, mas acho que agora não vai mais querer ficar nos EUA - disse.

A família de Letícia entrou em contato com ela na tarde de ontem. Sônia Amaral Figueiredo, mãe da estudante que faz intercâmbio cultural no Kansas, contou que a filha estava razoavelmente tranqüila.

- Ela disse que há mais de mil mortos no estádio e que, quando fica escuro, há atos de vandalismo. Ela procura ficar com um grupo de uns 50 estrangeiros para se defender. Meu coração está doendo - contou Sônia, de Belo Horizonte.

As autoridades começaram ontem uma megaoperação para retirar os refugiados do Superdome. Uma frota de ônibus usados para o transporte de presidiários está sendo utilizada para levar os desabrigados para o Houston Astrodome, a 550 quilômetros de distância.

No estádio, a luz do gerador era fraca, os banheiros estavam inundados e o desespero era grande. A assistência médica mais complexa havia sido transferida para o New Orleans Arena. Mas na mudança, foram roubados suprimentos de água e camas. Segundo as autoridades, houve três mortes no Superdome: dois pacientes idosos e um homem que se suicidou. Os telefones não funcionavam e longas filas se formavam para recarregar os celulares.

Num hotel, casal reclama de demora no resgate

No Rio, Leticia Vandystadt relatou, por e-mail, que perdeu contato com o marido, que estava em Nova Orleans no domingo. Segundo o consulado em Houston, José Cândido Sampaio de Lacerda Neto estaria no Hotel Astor Plaza, mas não conseguiu ser contactado. "Nossa família está extremamente preocupada. A mãe está num estado de saúde delicado e corre risco de vida", contou Leticia.

Embora seguros, o brasileiro Antônio Medalha e a esposa não vêem a hora de deixar o hotel em que estão em Nova Orleans. Eles reclamam que as autoridades não estão sendo ágeis no resgate. O plano dos dois é tentar seguir até Baton Rouge. "O aeroporto e seus acessos estão fechados sem previsão de abertura. Estamos sem luz e sem água e muitos não têm comida", disse Antônio, por e-mail.

Do Globo Online

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