Título: HOSPITAL DO ANDARAÍ SOFRE COM SUPERLOTAÇÃO
Autor: Maria Elisa Alves/Érika de Castro
Fonte: O Globo, 02/09/2005, Rio, p. 21

No Paulino Werneck, do município, médicos reclamam da falta de centro cirúrgico, maternidade e laboratório

Após a crise na saúde no início do ano, que resultou na intervenção federal em hospitais do Rio, pacientes ainda encontram muitas dificuldades ao serem atendidos nas unidades. No Hospital do Andaraí, Maria Benedita Salgado, de 105 anos, vítima de um acidente vascular cerebral, espera há seis dias, deitada numa maca no meio do corredor, uma vaga no setor de internação. Devido aos problemas que afetam as emergências das unidades do estado, como as recentes greves, o Andaraí vem recebendo cerca de 1.200 pacientes por dia, o dobro de sua capacidade. Sem vagas em enfermarias e UTIs, os doentes são acomodados onde houver espaço.

- Minha mãe está há dias nesse corredor esperando pela morte. A gente não é bicho para ficar desse jeito - lamentou a filha de Benedita, Maria José Morais, de 58 anos.

Pacientes ficam internados até sentados em cadeiras

Há pacientes que nem maca têm e são obrigados a ficar internados sentados em cadeiras. Doentes entre a vida e a morte também não têm espaço adequado suficiente: uma UTI foi improvisada no setor de pacientes em estado grave.

- Estamos numa situação calamitosa. Apesar das dificuldades, não paralisamos o atendimento um só dia e temos dois tomógrafos em funcionamento. Por isso, o Corpo de Bombeiros e as ambulâncias do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) de outras regiões trazem pacientes para cá. Mas não podemos atender todo o Rio de Janeiro - disse o diretor clínico da unidade, Roberto Portes.

Segundo Portes, outra dificuldade é que o hospital está sem diretor. Isso porque o prefeito Cesar Maia e o ministro da Saúde, Saraiva Felipe, ainda não assinaram o acordo oficializando a devolução do hospital para a União.

- Esperamos que a burocracia seja cumprida - afirmou Portes, acrescentando que as verbas da unidade estão sendo repassadas pelo Instituto de Traumato-Ortopedia (Into), do governo federal.

Ontem, o secretário de Atenção à Saúde, José Gomes Temporão, determinou que na próxima segunda e terça-feira o diretor do Into, Sérgio Cortes, esteja com toda a sua equipe no Andaraí para tomar medidas que minimizem os problemas da unidade. O diretor dos hospitais sob gestão do Ministério da Saúde, Valcler Rangel, visitará a unidade hoje para avaliar a situação. O ministério atribuiu a superlotação a problemas na rede básica de saúde e ao caos em outros hospitais.

Sindicalistas e deputado vistoriam hospital

Não é só no Hospital do Andaraí que pacientes sofrem para conseguir atendimento. Médicos do Hospital municipal Paulino Werneck, na Ilha do Governador, também denunciam as péssimas condições. Enquanto a obra do novo prédio, orçada em R$50 milhões, se arrasta desde setembro, a unidade funciona sem centro cirúrgico, sem laboratório, sem maternidade e com enfermaria improvisada.

Membros do Sindicato dos Médicos e o presidente da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa (Alerj), deputado Paulo Pinheiro (sem partido), estiveram ontem na unidade. Depois de avaliar a situação do atendimento dos pacientes e as condições de trabalho dos profissionais de saúde, o grupo decidiu enviar hoje ao Ministério Público e à 37ª DP (Ilha do Governador) um relatório responsabilizando a prefeitura por problemas que venham a ocorrer.

- Os médicos não podem trabalhar nessas condições. A unidade não é mais uma emergência, mas os pacientes chegam aqui achando que vão encontrar infra-estrutura. Queremos deixar oficializado que os médicos não podem, por exemplo, ser responsabilizados por uma morte - disse Paulo Pinheiro.

Em nota oficial, a Secretaria municipal de Saúde afirma que as obras estruturais no Hospital Paulino Werneck serão concluídas em 30 dias. Diz ainda que a falta de insumos na unidade é temporária e causada pelo aumento da procura de pacientes, devido à greve nos hospitais estaduais e às dificuldades do Hospital do Fundão. A nota afirma também que, em decorrência da obra, os exames laboratoriais são feitos em outras unidades da rede.

RELEMBRE A CRISE NA SAÚDE

Hospitais sem remédios, cirurgias adiadas por falta de material, emergências fechadas, aparelhos quebrados e longas filas de pacientes sem conseguirem atendimento adequado foram os ingredientes que levaram o governo federal a decretar em março estado de calamidade pública na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) do Rio e a intervir em seis hospitais.

Uma das seis unidades que ficaram sob intervenção foi o Hospital do Andaraí, onde faltavam medicamentos até para doentes com câncer e a emergência chegou a ser fechada. Os hospitais Cardoso Fontes, Ipanema, e da Lagoa, que eram federais, mas administrados pela prefeitura, também ficaram sob a gestão do Ministério da Saúde, assim como o Souza Aguiar e o Miguel Couto, que sempre pertenceram ao município.

Uma das primeiras medidas da intervenção foi enviar remédios e aparelhos de ultrassonografia e de raios X para os hospitais. A Marinha e a Aeronáutica montaram tendas, onde atenderam 32 mil pessoas. A intervenção durou até maio, quando União e município fizeram um acordo, devolvendo hospitais municipalizados à União. O convênio, porém, não foi assinado até hoje.

Legenda da foto: POR CAUSA da falta de vagas, um dos corredores do Hospital do Andaraí é ocupado por macas: a unidade recebe 1.200 pacientes por dia, o dobro de sua capacidade