Título: NA CONTRAMÃO DA RECEITA
Autor: Regina Alvarez e Mariza Louven
Fonte: O Globo, 02/09/2005, Economia, p. 23

Bird recomenda mas governo investe pouco em infra-estrutura. Especialistas criticam

Na contramão da recomendação do Banco Mundial (Bird), o governo encaminhou ao Congresso uma proposta de Orçamento para 2006 que prevê investimentos em infra-estrutura equivalentes a apenas 0,55% do Produto Interno Bruto (PIB, total de bens e serviços produzidos no país). Entretanto, especialistas em estudos de pobreza e em infra-estrutura concordam que os investimentos em transportes, energia e, especialmente, saneamento, são fundamentais não só para dar suporte ao crescimento da economia, mas também para melhorar as condições de vida da população mais pobre.

Em informe divulgado na quarta-feira, o Bird faz um alerta ao governo brasileiro, afirmando que o Brasil só conseguirá crescer e reduzir a pobreza se investir, no mínimo, o equivalente a 2,9% do PIB em infra-estrutura até 2025. Mas a proposta orçamentária encaminhada ao Congresso prevê investimentos de R$11,7 bilhões nesta área em 2006, equivalentes em percentual do PIB aos recursos disponíveis no Orçamento deste ano, que foi fortemente contingenciado. Os investimentos totais chegam a R$14,7 bilhões, o correspondente a 0,69% do PIB.

O Orçamento de 2006 revela uma clara opção pelo programa Bolsa Família, carro-chefe do governo Lula na área social, como alternativa de combate à pobreza. O programa receberá R$8,3 bilhões, equivalentes a 0,39% do PIB, com crescimento de 27,4%.

FGV: água e esgoto reduzem pobreza

O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, vê com grande preocupação o baixo investimento do governo em infra-estrutura e a opção pelo aumento dos gastos correntes - onde o programa Bolsa Família está enquadrado - junto com gastos de pessoal e outras despesas obrigatórias. Velloso prevê aumento de gargalos:

- Chegamos ao fundo do poço em 2004, com investimentos em infra-estrutura equivalentes a 0,4% do PIB, situação que deve se repetir este ano - alerta o economista.

Para Velloso, o governo está mais frágil e acaba cedendo às pressões por aumento dos gastos de pessoal e adoção de políticas assistencialistas. Por não ter coragem nem condições políticas de enfrentar as pressões, acrescenta ele, o governo acaba adotando a solução mais fácil, de comprimir os investimentos.

O diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Saboia, também acredita que a necessidade de gerar elevados superávits primários (receitas menos despesas, excluindo gastos com juros) está levando o governo a cortar investimentos em infra-estrutura.

- Isso pode frear as taxas decrescimento - afirma Saboia, para quem o Bolsa Família tem caráter emergencial, enquanto os investimentos em infra-estrutura garantem melhorias permanentes.

O diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires, alerta que, sem os investimentos necessários, se o Brasil voltar a crescer a taxas elevadas ou tiver uma safra de grãos como a que ocorreu há um ano, poderá sofrer colapso em sua infra-estrutura.

Mas o assessor especial da Presidência da República José Graziano faz ressalvas às conclusões do Bird sobre o Brasil e defende o programa Bolsa Família como alternativa para reduzir a pobreza.

- É preciso qualificar os investimentos em infra-estrutura. Em alguns casos, não há relação direta entre esses investimentos e a redução da pobreza. Os pobres no Brasil são, na grande maioria, do tipo que não têm renda nem emprego, mas vivem em regiões que contam com infra-estrutura básica. Por isso, um programa de transferência de renda como o Bolsa Família é adequado - afirma.

Graziano destaca ainda que o governo tem dado prioridade a programas de infra-estrutura que têm impacto direto na redução da pobreza, como o Luz para Todos.

Mas o chefe do Centro Brasileiro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcelo Neri, acredita que os investimentos em infra-estrutura, especialmente em ampliação de redes de água e esgoto, contribuem para a redução da pobreza por melhorar as condições de vida e saúde da população. Além disso, funcionam como uma espécie de frente de trabalho, gerando muitos empregos.

Crítico de primeira hora do programa Fome Zero, Neri é entusiasta do Bolsa Família. Ele diz que, ao atrelar a liberação de recursos para os mais pobres à freqüência escolar de crianças na faixa de 6 a 14 anos, o Bolsa Família contribui para diminuir a pobreza e criar as bases para que os seus beneficiários sejam menos pobres no futuro.

INCLUI QUADRO: a DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS NO ORÇAMENTO