Título: SOS desesperado de Nova Orleans
Autor:
Fonte: O Globo, 02/09/2005, O Mundo, p. 28

Situação se deteriora e tiros são disparados entre 60 mil refugiados que tentam deixar cidade alagada

As condições precárias de dezenas de milhares de vítimas do furacão Katrina provocaram ontem episódios de violência que instalaram o caos em Nova Orleans. No estádio Superdome, tiros foram disparados contra um helicóptero militar quando refugiados eram removidos, o que obrigou a uma suspensão temporária da operação. Em ruas alagadas, os saques se intensificaram e comerciantes defenderam suas lojas com rifles à mão. O prefeito Ray Nagin ordenou que a polícia interrompesse as ações de resgate para impedir os crimes. Em mensagem, Nagin fez também um apelo de ajuda aos refugiados do Centro de Convenções, onde tiros foram disparados no meio de uma multidão faminta e desolada:

"Este é um SOS desesperado. Neste momento, estamos sem recursos no Centro de Convenções e adiantamos que não temos ônibus suficientes (para remover os refugiados). O Centro de Convenções está inseguro e insalubre, e estamos ficando sem suprimentos para 15 mil a 25 mil pessoas."

O descontrole sobre a segurança se estendeu a outras cidades do Sul dos EUA, e levou o governo a aumentar de 7.500 para quase 30 mil o número de soldados da Guarda Nacional mobilizados para a maior operação de emergência no país desde os atentados de 11 de setembro de 2001. Mais três mil soldados do Exército também foram convocados, elevando para quase 50 mil o total de agentes envolvidos no maior esforço de segurança e assistência da História dos EUA. Foram deslocados aviões, navios de guerra (entre eles o porta-aviões Harry S. Truman) e dezenas de helicópteros.

O presidente George W. Bush determinou tolerância zero com os saqueadores e com o aumento de preço de gasolina que foi registrado em todo o país, enfurecendo consumidores.

- Temos que ter tolerância zero com as pessoas que estão violando a lei durante uma emergência como essa, seja em saques, ou mudando o preço nas bombas de gasolina, ou aproveitando-se de ações de caridade, ou fraudando seguros - disse Bush.

No Superdome, um soldado foi ferido a tiros. Banheiros não funcionavam, faltava comida, alimentos, água e energia elétrica. Foram mobilizados 300 ônibus que levariam as cerca de 20 mil pessoas ali abrigadas para o Astrodome, na cidade texana de Houston, a 560 quilômetros de distância. Com a chegada dos primeiros ônibus, de madrugada, milhares de pessoas que estavam em hotéis e prédios próximos correram para o estádio na tentativa de sair da cidade. Foi quando começaram os episódios de violência e a operação foi interrompida.

US$10,5 bilhões em ajuda emergencial

De manhã, uma multidão aflita de 60 mil pessoas se concentrava no Superdome e a operação foi retomada. Em Houston, chegaram pelo menos três mil pessoas de ônibus, além de 14 num caminhão que, admitiram, haviam roubado para fugir de Nova Orleans.

Como a prioridade se tornou o resgate de sobreviventes, em detrimento do recolhimento de corpos, autoridades ainda não sabiam ontem - dois dias depois da passagem do furacão - quantas pessoas morreram.

- Não temos números. Podem ser centenas ou milhares. Acho que vai ser um choque - disse a senadora Mary Landrieu, da Louisiana.

Socorristas disseram que estavam resgatando 650 pessoas por hora, em média, em barcos em Nova Orleans. Corpos boiavam nas ruas enquanto saqueadores atacavam lojas, casas e prédios públicos em busca de alimentos, mas também de objetos de valor. Pelo menos dois hospitais foram invadidos por homens armados à procura de remédios.

O governo destinará US$10,5 bilhões só para as necessidades de emergência, e congressistas marcaram para o fim de semana uma sessão de emergência para aprovar a liberação dos recursos. Em frente ao Centro de Convenções, onde corpos se acumulavam, o reverendo Isaac Clark, de 68 anos, comentou:

- Estamos aqui como simples animais. Não temos ajuda.

www.oglobo.com.br/ciencia