Título: O gene eleitoral
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 04/09/2005, O Globo, p. 2

Sempre que um sacador no valerioduto diz que precisou do dinheiro para quitar dívidas de campanha, a oposição reage forte. É do jogo: ao PT interessa a versão do caixa dois; aos outros, da corrupção com desvio de dinheiro público. Está claro, nesta altura, que nem tudo foi crime eleitoral, mas que foram as dívidas da campanha de 2002 que deram origem à sociedade Valério-Delúbio.

Quando um partido aceita pagar US$10 milhões a um publicitário, como fez o PT ao contratar Duda Mendonça, sabe que terá que buscar tanto dinheiro em alguma fonte oculta. Mais ainda se promete também uma ajuda de R$10 milhões ao PL para ter o vice que Lula queria. Em 2004 o PT ainda resolveu ser financeiramente solidário com os aliados que lhe davam a maioria parlamentar. A alguns, como a Roberto Jefferson, prometeu e não entregou. Mas mesmo recusando a versão do ¿dinheiro de campanha não contabilizado¿ apresentada por Delúbio, sabem todos que um dos genes da crise é o do financiamento das campanhas. Tanto é que já sobrou estilhaços para o PSDB (caso Eduardo Azeredo) e para o PFL (caso Roberto Brant). Tanto é que o senador Bornhausen, presidente do PFL, apresentou seu projeto destinado a reduzir o custo das campanhas. A população também já entende, diz o deputado tucano Eduardo Paes, que o financiamento de campanhas é uma das portas da corrupção no Brasil.

Mas não são os itens listados pelo projeto de Bornhausen que, a seu ver, sorvem o dinheiro gordo das campanhas. O projeto proíbe a distribuição de brindes como camisetas, bonés, chaveiros e quinquilharias, que responderiam por menos de 5% do custo oficial das campanhas. E também as cenas externas nos programas de TV, que terão apenas o candidato, no estúdio, declamando propostas. Respondem por outros 40% dos custos.

A verdade, diz Paes, é que vivemos num país pobre e de baixa educação política. Que nas campanhas os eleitores os mais pobres pressionam os candidatos para obter o que o Estado não lhes dá. O atendimento dessas demandas resulta num custo invisível que só pode ser atendido pelo caixa dois. Ele aponta os centros sociais de atendimento que os deputados (alguns federais e a maioria dos estaduais) mantêm nas periferias das grandes cidades como exemplo de sorvedouro e compra indireta de votos. Oferecem médicos, dentistas, treinamento profissional e até corte de cabelo, pois nem para isso sobra dinheiro no orçamento dos muito pobres. Para se eleger, um deputado federal que precise do apoio do mantenedor de um desses centros, seja ele vereador, deputado estadual ou líder comunitário, é obrigado a ajudar a mantê-los, desembolsando grandes quantias, para ter os votos da clientela. No Rio, segundo Paes, dos 55 vereadores pelo menos 40 mantêm centros sociais, sobretudo nas favelas. Paes apresentará um projeto de lei proibindo que detentores de mandato, diretamente ou por seus parentes próximos, mantenham esse tipo de instituição. Diz ele:

¿ Isso é capturar voto, crime previsto na Lei Complementar 64, punível com a cassação do registro pelo esforço da CNBB.

Ao financiamento público, prefere maior transparência nas doações privadas. Juarez Guimarães, cientista político ligado ao PT, propõe que o partido assuma o que fez e lidere uma campanha pelo financiamento público de campanhas. A proposta perdeu força com o escândalo, crescendo a idéia de que não evitaria o caixa dois. Mas há também sistemas mistos, como o de Portugal. Além da verba pública, cada partido pode captar doações privadas até certo limite. Passou disso, o crime é grave e a pena é dura.