Título: FRAUDES: GRUPO TEM NEGÓCIOS DE R$103 MILHÕES
Autor: Carla Rocha/Dimmi Amora/Maiá Menezes
Fonte: O Globo, 03/09/2005, Rio, p. 17

Empresas acusadas de irregularidades em licitações integram cartel de 33 firmas, sete delas registradas no exterior

Os negócios das quatro principais empresas investigadas pela Polícia Federal na Operação Roupa Suja envolvem pelo menos R$103 milhões em recursos públicos, nos últimos seis anos e meio, de acordo com levantamento feito a pedido do GLOBO nos governos estadual, federal, na prefeitura da capital e em outras do interior do Rio. As empresas, que são acusadas de fraudar licitações e superfaturar contratos, fazem parte de uma rede de 33 firmas que prestam os mais variados serviços para o setor público. Pelo menos sete empresas são registradas fora do país, onde foram localizadas contas bancárias não declaradas de pelo menos dois acusados.

Ontem, o Ministério Público federal ofereceu denúncia contra os acusados. O relatório da PF em que a denúncia se baseou pede o indiciamento de 24 pessoas, incluindo as 12 que foram presas há dez dias pela PF. Entre os novos denunciados haveria servidores municipais e federais. Onze envolvidos tiveram a prisão temporária prorrogada por mas cinco dias na última segunda-feira. No entanto, um deles teve a prisão revogada ontem.

Dos R$103 milhões, a União empenhou, entre 1999 e 2005, R$48 milhões por serviços prestados em 14 órgãos. Os contratos da prefeitura do Rio com a Brasil Sul e a Engesul, entre 1999 e 2005, de acordo com o Tribunal de Contas do Município (TCM), totalizam R$14,9 milhões. O site do Tribunal de Contas do Estado (TCE) registra contratos de R$7,5 milhões dessas empresas com prefeituras do interior, principalmente São Gonçalo, reduto eleitoral de Altineu Côrtes, ex-secretário estadual da Infância e Juventude.

Ex-secretário foi sócio de nove empresas investigadas

Só o governo estadual empenhou, de 2000 a 2005, para duas das principais empresas do grupo (a Brasil Sul e a Engesul), R$33,8 milhões. Durante parte desse período, Altineu, ex-sócio dessas e de outras sete empresas do grupo, estava no cargo de secretário. De acordo com deputados federais que participaram da CPI do Banestado, Altineu Côrtes, filho de Altineu Coutinho - que está preso, acusado de ser um dos chefes do grupo - tem conta no exterior. No documento da conta, o endereço declarado já foi de uma empresa do grupo. O ex-secretário nega a existência da conta. Ele deixou a sociedade nas empresas em 2002, antes de se tornar deputado:

- Isso não existe. Nunca operei contas no exterior.

Altineu ainda não é investigado pela PF. Mas, caso seja constatado o envolvimento dele no esquema de fraude, o Ministério Público federal poderá pedir que a Procuradoria da República investigue o caso, já que Altineu tem foro privilegiado por ser deputado estadual.

A Secretaria estadual de Saúde já anunciou que está fazendo levantamento dos contratos das empresas envolvidas nas denúncias. O município informou que esperará o resultado das investigações para se pronunciar. De acordo com o Ministério da Saúde, a Brasil Sul e a Engesul mantêm contratos com o Instituto de Traumato-Ortopedia (Into) e com o Hospital dos Servidores do Estado.

No pedido do MP que resultou na prisão dos acusados, os procuradores afirmaram que o superfaturamento chegou a 700%. As empresas investigadas já tiveram contratos para vender merenda escolar, uniforme, cavalete, cone de trânsito, fazer lavagem de roupa e obras.

A deputada estadual Cidinha Campos (PDT) vai enviar o levantamento das empresas para o MP:

- É um absurdo a governadora ter nomeado o Altineu, já que todos conhecem o histórico dessas empresas.

Há dez dias, 12 pessoas foram presas pela PF, acusadas de superfaturamento e fraude em licitações para aquisição de medicamentos, especialmente insumos dos coquetéis contra a Aids. Foram presos o pai, o irmão e o primo do ex-secretário - Altineu Pires Coutinho, Marcelo Pires Coutinho e Altivo Bittencourt Pires - Gilberto da Silveira Corrêa (presidente do Sindicato das Empresas de Lavanderia, Sindilav), José Otávio Kudsi Macedo (dono da Ferlim), Antônio Augusto Menezes Teixeira, José Pereira Vilela, Flávio Garcia da Silva, o ex-prefeito de Goiânia Darci Accorsi e Francisco Sampaio Vieira de Faria (que não teve a prisão prorrogada). O empresário indiano Premanandam Modapohala foi preso em São Paulo.

O empresário Vittorio Tedeschi, sócio da Brasvit e da Halen Elliot com Altineu Coutinho, é considerado um dos principais responsáveis pela organização. Para a PF, as empresas de Vittorio enviariam dinheiro ilegalmente para o exterior, que depois retornava ao Brasil. O envio seria por contas do Banestado.

Acusados criticam ação da PF e do Ministério Público

Os acusados reclamam da PF. Advogado de Altineu Coutinho e Marcelo Cortes, Ubiratan Guedes classificou de arbitrária a prisão de seus clientes:

- A Constituição prevê a presunção da inocência e aqui estão vendo a presunção da culpabilidade. O meu cliente (Altineu) é um homem de 65 anos, doente - disse, afirmando que Altineu Coutinho vem tendo crises hipertensivas.

Ontem à noite, o juiz Flávio Oliveira Lucas, da 4ª Vara Federal Criminal, revogou a prisão temporária de José Pereira Vilela, classificado como lobista pela PF. De acordo com o advogado do acusado, Marcello Luna, o juiz entendeu que a própria polícia considerou frágeis as provas contra Vilela. Segundo o advogado, Vilela acompanha os processos administrativos das empresas em órgãos públicos. O advogado de Darci Accorsi, Olinto Meirelles, também reclamou da prisão de seu cliente.

Ex-secretário diz que empresas estão quebradas

Segundo ele, estado e a prefeitura não pagaram por serviços prestados

Alegando estar afastado das empresas de sua família desde 2002, o ex-secretário Altineu Cortes, que reassumiu seu mandato de deputado estadual ao deixar a Secretaria da Infância e da Juventude, disse ontem que, ao contrário do que as pessoas poderiam imaginar, a função que ocupou no estado nunca gerou qualquer tipo de favorecimento para seus familiares. Segundo ele, as empresas não só não tiveram crescimento como ainda enfrentam sérias dificuldades.

- O Estado deve mais de R$1 milhão à Brasil Sul. A prefeitura, R$1,5 milhão. Eu podia dar um telefonema para agilizar o pagamento, mas nunca fiz nada para beneficiar as empresas. E ainda era motivo de chacota, todo mundo fazia piada porque, mesmo sendo deputado e secretário, minha família não recebia - afirmou o ex-secretário. - Estamos quebrados. A Brasil Sul tem três pedidos de falência e vários títulos protestados. A Engesul também tem protestos.

O ex-secretário atribuiu as denúncias a uma tentativa de atingi-lo politicamente.

- É claro que a minha presença forte em Niterói, São Gonçalo e no interior tem muito a ver com o que está acontecendo. Mas se tiver que ser chamado a prestar esclarecimentos sobre qualquer ato meu, estou à disposição.

De janeiro a abril de 2004, Altineu teve como seu subsecretário, o primo Atratino Cortes Coutinho, que, assim como ele, já foi sócio da Engesul. Simultaneamente à função, Atratino foi nomeado ordenador de despesas do Programa de Acesso à Alimentação, de onde saiu em abril, segundo despacho do secretário Gilson Cantarino, da Saúde. Altineu disse não se recordar de ter nomeado Atratino.

- Mas não vejo nada demais ele ter sido ordenador de despesas - alegou.

Procurado, Atratino não retornou as ligações.

INCLUI QUADRO: CONHEÇA AS OPERAÇÕES DAS EMPRESAS